STJ define que CNH pode ser suspensa em caso de dívida [Contexto Jurídico]

Quem minimamente já precisou se socorrer ao Poder Judiciário para a solução de uma demanda, ainda que financeiramente de menor importância, já pode ter se deparado com o conhecido “ganha mas não leva”.

Ou seja, nos processos em que se busca indenização, de qualquer natureza, o Poder Judiciário reconhece o direito da parte, esta inicia o processo de execução, mas, quando da tentativa de efetivamente receber o valor devido, seja por possível má-fé do devedor, seja por ausência de mecanismos legais, a parte não consegue localizar bens e a execução se frustra.

Importante mencionar que a frustração não é só da parte. Não raro, os advogados defendem seus clientes, conseguem provar em juízo as alegações destes, saem vitoriosos na demanda juntamente com seu cliente, contudo não conseguem executar os honorários sucumbenciais.

Há que se reconhecer que ao longo do tempo, muito já foi avançado no sentido de dinamizar dentro do Poder Judiciário a comunicação com bancos, órgãos de fiscalização e controle veiculares, órgãos de proteção ao crédito, criando-se verdadeiros sistemas que, na prática, muito auxiliam todos os envolvidos.

Dentre os avanços mais utilizados, está o sistema/convênio Bacenjud que permite que o Poder Judiciário, do gabinete do magistrado, determine on line, o bloqueio das contas de determinada parte, cabendo à esta, por óbvio, o direito de eventual recurso.

Para os que desconhecem, o Bacenjud é um sistema desenvolvido pelo Banco Central do Brasil e utilizado por todo o Poder Judiciário, que tem como objetivo de facilitar a comunicação entre o Poder Judiciário e as instituições financeiras. Além servir para efetivo bloqueio de valores de contas bancárias, serve também para o juiz requisitar informações como o endereço atualizado do réu, o saldo e os extratos bancários, temas mais que importantes à solução do processo judicial.

Além de bloquear contas bancárias, o Bacenjud tem alguma outra finalidade?
Lógico. Se você ainda não sabia, o Bacenjud serve também para que o magistrado possa requisitar mais informações acerca do devedor, tais como: endereço atualizado, o saldo e os extratos bancários do réu. Perceba que tudo isto são dados relevantes para a efetiva resolução e marcha de um processo judicial.

Nesta esteira, dentro do processo de modernização e busca pelo melhor resultado útil dos processos, fora editada a Lei 13.105/2015, comumente chamado de “Novo Código de Processo Civil” – já nem mais tão novo, pois entrou em vigor a partir de 18 de março de 2016.

O citado Código de Ritos, após muita discussão, é referência, e tem como prisma o respeito à vontade das partes, primazia do mérito e trouxe, especialmente ao processo de execução várias novidades.

Dentre algumas mudanças está a configuração de ato atentatório à dignidade da justiça o fato de determinada parte, após intimada, não indica ao juízo quais são e onde estão os bens sujeitos à penhora, conforme disposto no art. 774, V, do Código de Processo Civil[1].

Ainda, na mesma linha de intelecção, outra inovação trazida e disposta no inciso IV, do art. 139, do CPC[2], foi a possibilidade do juiz, ao dirigir o processo, determinar medidas indutivas, coercitivas ou mandamentais visando assegurar o cumprimento de ordem judicial, para nosso artigo, a decisão que determina eventual pagamento.

Trata-se das chamadas medidas executivas atípicas, que confere, como visto, poder ao julgador para a adoção de meios necessários à satisfação da obrigação não delineados previamente no diploma legal.

Dentro desta ótica, em muitos processos, requereu-se diversas ações visando, de alguma forma, a quitação do débito.

Dentre elas, um pedido muito comum em diversas regiões do País é o pedido para que haja o bloqueio/suspensão da Carteira Nacional de Habilitação – CNH e do Passaporte dos devedores.

Quando da alteração legislativa e os pedidos começaram a chegar no Poder Judiciário, diversas foram as formas de interpretação. Aos juízes que deferiam o pedido, o respaldo é o legal, como visto. Para os que indeferiam, via de regra, havia o entendimento de que assim procedendo, estariam violando o direito da patrimonialidade da execução. Ou seja, que a execução deveria se limitar aos bens, não aos direitos pessoais do Executado.

Nesta seara, recentemente a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em mais uma decisão proferida pela Corte Superior, referendou interpretação de que, em caráter excepcional, o deferimento dos pedidos não fere tal princípio.

A Ministra Relatora, Nancy Andrighi, assim afirmou em seu voto no Resp nº 1.854.289:

Todavia, não se pode confundir a natureza jurídica das medidas de coerção psicológica, que são apenas medidas executivas indiretas, com sanções civis de natureza material, essas sim capazes de ofender a garantia da patrimonialidade, por configurarem punições em face do não pagamento da dívida.

A diferença mais notável entre os dois institutos acima enunciados é a de que, na execução de caráter pessoal e punitivo, as medidas executivas sobre o corpo ou a liberdade do executado tem como característica substituírem a dívida patrimonial inadimplida, nela sub-rogando-se, circunstância que não se verifica quando se trata da adoção de meios de execução indiretos.

O legislador optou, desse modo, por abandonar o princípio até então vigente (ao menos para as hipóteses envolvendo obrigação de pagar quantia), da tipicidade das formas executivas, conferindo maior elasticidade ao desenvolvimento do processo satisfativo, de acordo com as circunstâncias de cada caso e com as exigências necessárias à tutela do direto material anteriormente reconhecido.”

Ou seja, as medidas executivas coercitivas, como no caso trazido em julgamento pelo STJ, apenas estimulam, psicologicamente o devedor a realizar o pagamento do débito constituído pela própria justiça.

Desta forma, ainda que os julgados não tenham caráter vinculante, ou, tecnicamente, efeito repetitivo, a confirmação pela Terceira Turma do STJ, configura a possível consagração do entendimento, ficando, desde já, o conselho aos possíveis devedores: cuidado!

De todo modo, a medida, segundo orientação do próprio STJ, não pode ser deferida sempre que requerido. É preciso perseguir e cumprir a ritualística processual na busca da localização de bens, sendo, portanto, medida de excepcionalidade, passível, inclusive, de recurso.

Aliás, o voto proferido no Recurso Especial já citado, a i. Ministra Relatora assim completa:

“A ocorrência dessas situações deve ser, contudo, examinada caso a caso, e não aprioristicamente, por se tratar de hipótese excepcional que foge à regra de legalidade e boa-fé objetiva estabelecida pelo CPC/15.

Não por outro motivo, o STJ vem entendendo que “as modernas regras de processo […], ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância, poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável” (RHC 97.876/SP, 4ª Turma, DJe 9/8/2018).”

Com efeito, pela lógica sistêmica e interpretativa do acórdão e de outros votos do Superior Tribunal de Justiça, não só a suspensão da CNH – como no caso concreto -, mas outras medidas excepcionais são possíveis de serem deferidas.

Contudo, para tal, há que se observar caso a caso, revelando-se um caráter excepcional e de necessária fundamentação na medida.

 

Thiago Lóes é professor e advogado especialista em Direito Empresarial e em Direito Público.

Sigam o autor no instagram: @thiagoloes

 

A coluna Contexto Jurídico vai ao ar toda segunda, quarta e sexta às 07h da manhã, e é escrita por advogados especialistas convidados por nossa equipe.

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