Brevíssimos comentários sobre o processo de reajuste da tarifa de energia elétrica [Contexto Jurídico]

Nos termos do art. 175, da Constituição Federal[1], incumbe ao Poder Público a prestação de serviços públicos diretamente ou sob concessão ou permissão, incumbindo à Lei a disposição da política tarifária:

Na linha da disposição constitucional, a Lei Federal 8.987/95[2] estabeleceu a política tarifária, registrando a competência do Poder Concedente de homologar os reajustes. O Poder Concedente Federal, por sua vez, nos termos da Lei 9.427/96[3] e do Decreto nº 2.335/97, atribuiu à Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL o dever de regular os serviços de energia elétrica, para este artigo, o de fixar valores a serem praticados pelas distribuidoras de energia, respeitando-se os contratos de concessão e a realidade de cada uma das concessionárias.

Assim, com fulcro na legislação que rege o setor elétrico e visando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro e a justa contraprestação do serviço, a ANEEL realiza cuidadoso trabalho com o fim de auferir o percentual de reajuste que é estritamente necessário à preservação da higidez econômica de cada uma das prestadoras de serviço público de distribuição de energia do Brasil.

 

Havendo a necessidade de recomposição dos custos, há previsão de regras que devem ser observadas pelas distribuidoras na prestação do serviço de fornecimento de energia elétrica, dentre elas os mecanismos de alteração tarifária: revisão tarifária periódica, reajuste tarifário anual e revisão tarifária extraordinária.

Os reajustes tarifários ocorrem anualmente, exceto nos anos em que ocorrem revisões tarifárias periódicas. O mecanismo de Reajuste Tarifário Anual tem como objetivo restabelecer o poder de compra da receita obtida por meio das tarifas praticadas pela concessionária.

Saliente-se que na formação da tarifa são levadas em consideração regras complexas e rigorosas (emanadas e fiscalizadas pela ANEEL) consistentes em apuração dos custos não-gerenciáveis (parcela A) e custos gerenciáveis (parcela B), conforme fórmula própria criada pela agência reguladora.

O cálculo da tarifa de energia elétrica que subsidia o reposicionamento tarifário é composto pelas Parcelas A e B, sendo que:

  1. A Parcela A é obtida pelo somatório dos custos relativos aos encargos setoriais, transporte de energia e de compra de energia; e
  2. A Parcela B é obtida pelo somatório dos custos operacionais eficientes, da remuneração dos investimentos prudentes e da quota de reintegração regulatória.

Importante mencionar que no reposicionamento tarifário, os itens que compõem a Parcela A não estão sujeitos apenas à variação da inflação, e sim a uma série de componentes que circundam desde o preço do custo da energia comprada até os encargos setoriais. Todavia, considerando que são custos não gerenciáveis pela “Distribuidora”, tais valores são repassados aos consumidores, não gerando prejuízo ou benefício à “Distribuidora”.

Já os itens que compõem a Parcela B, que são os reais custos com a atividade de distribuição e relacionados aos investimentos por ela realizados, por serem de completa gestão da distribuidora, são corrigidos pelo índice de inflação constante no contrato de concessão (IGP-M ou IPCA), deduzindo-se o Fator X.

O objetivo do Fator X é estimar ganhos de produtividade da atividade de distribuição e capturá-los em favor da modicidade tarifária em cada reajuste.

Para viabilizar o cálculo de tal fórmula, a ANEEL instaura processo administrativo específico para cada uma das Concessionárias, atendendo não só as regras previstas no contrato de concessão, como também aos Procedimentos de Regulação Tarifária – PRORET, os quais possuem caráter normativo e consolidam toda a regulamentação acerca dos processos tarifários envolvendo as Distribuidoras de Energia Elétrica. Tais procedimentos, de observância obrigatória da concessionária, foram aprovados pela Resolução Normativa ANEEL nº 435/2011, de 24 de maio de 2011, a qual foi precedida da Audiência Pública nº 48/20106, onde a ANEEL submeteu à apreciação de toda a sociedade para contribuições, críticas e sugestões.

Este processo administrativo específico conta com a participação de todos as Superintendências da ANEEL que tratam do tema de reajuste, são colhidas informações passadas pela própria Concessionária e, ainda, conta com a participação dos Conselhos de Consumidores de cada uma das Concessionárias do País.

Após os estudos necessários, a ANEEL emite Nota Técnica, que subsidiará a decisão colegiada da Diretoria da Agência Reguladora que poderá aprovar os termos propostos, podendo o reajuste, dinâmico como é, ser positivo (aumento da tarifa) ou negativo (redução da tarifa).

A decisão da Diretoria Colegiada será publicada no Diário Oficial, passando a ter validade no mundo jurídico.

Ora, não se pode olvidar que o processo de elaboração das tarifas abrange questões que transcendem ao campo de conhecimento específico do Direito, tendo inúmeras vertentes da área econômica revestidas de especificidades inerentes ao setor elétrico nacional.

Não raro, as Concessionárias se deparam com ações judiciais discutindo um ato regulatório da ANEEL, constante dos manuais e legislação do setor elétrico que é cumprido pela Agência à todos.

Importante mencionar é que os questionamentos judiciais existem, basicamente, quando o reajuste é positivo. Lembre-se há dinamismo no reajuste anualmente, pois a fórmula é aplicada indistintamente à todas as Concessionárias, devendo ser observadas todas as variantes.

O Poder Judiciário, em algumas oportunidades, já se deparou com o tema, oportunidade em que, quase sempre manteve-se indene o ato da ANEEL, autorizando, à exceção, quando existir ilegalidade no procedimento, à exemplo o precedente da C. Corte Especial do e. Superior Tribunal de Justiça, que, no exercício do juízo de ponderação entre os bens jurídicos tutelados pela legislação de regência, deu prevalência à ordem pública, em sua acepção administrativa, baseado na presunção de legitimidade dos atos administrativos:

PEDIDO DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR AJUIZADO PELA AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA. REAJUSTE DA TARIFA DE ENERGIA ELÉTRICA. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO.

Até prova cabal em contrário, prevalece a presunção de legitimidade do ato administrativo praticado pela Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel. Agravo regimental provido.”

(STJ – AgRg na SLS 1.266/SP – Corte Especial – Rel. Min. Ari Pargendler – DJe de 19/11/2010) – Grifou-se

Vale dizer que ilegalidade não é sinônimo de inconformismo ou mesmo uma oportunidade para se criar regras inexistentes no procedimento. Trata-se de verificar a adequação do ato praticado aos normativos existentes.

Demonstrando que o processo de reajuste é um ato complexo não representando pura e simples correção monetária, nos termos de referido acórdão, o i. Ministro Ari Pargendler afirma que “a simples correção monetária da tarifa pode não ser suficiente para os investimentos necessários à boa prestação do serviço público”.

Saliente-se que o reajuste tarifário garante a adequação do serviço em todos os seus aspectos e o não estabelecimento dos critérios definidos pela Agência, desde que respeitada a legalidade do ato, causa consequências negativas para os usuários do serviço, na medida em que influencia na qualidade do serviço prestado e severo impacto na sustentabilidade econômico-financeiro do serviço público concedido.

Sem o necessário equilíbrio econômico-financeiro da prestação do serviço público, possível pelo reajuste que se pretende afastar, as Concessionárias ficam seriamente comprometida em seus investimentos, necessários para a operação regular do serviço, prejudicando todos os usuários do serviço público por ela prestado.

Em Brasília, o último reajuste tarifário da Companhia Energética de Brasília – CEB, ocorreu em 16/10/2019, podendo ser aplicado a partir de 22/10/2020. O reajuste médio aprovado pela Aneel para os consumidores residenciais e comerciais, que são atendidos em baixa tensão, foi de 6,15% e para os consumidores industriais o reajuste médio foi de 7,31%.

O próximo processo de reajuste, considerando a data do aniversário da Distribuidora, ocorrerá no mesmo período do anterior, em valores que ainda serão definidos. A conferir!

 

 

Thiago Lóes é professor e advogado especialista em Direito Empresarial e em Direito Público.

Sigam o autor no instagram: @thiagoloes

 

A coluna Contexto Jurídico vai ao ar toda segunda, quarta e sexta às 07h da manhã, e é escrita por advogados especialistas convidados por nossa equipe.

 

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