Poderia o MEI ser contratado para exercer serviços ligados a atividade fim de uma empresa?
Em primeiro lugar, vale dizer que a legislação permite que o MEI opte pelo recolhimento de tributos sobre o recebimento de valores fixos mensais através do Sistema de Recolhimento em Valores Fixos Mensais dos Tributos abrangidos pelo Simples Nacional (SIMEI), independentemente da receita bruta auferida no mês.
Além disso, deve ser ressaltado que a legislação específica aplicável ao MEI impõe limitações, tais como: limitação de faturamento anual em R$ 81 mil reais; não ser sócio em outra empresa e ter, no máximo, um empregado contratado com o salário mínimo ou o piso da categoria.
Contudo, em várias situações a Justiça do Trabalho condenou empresas a assinarem carteiras de trabalho devido ao entendimento de que haveria ocorrido a utilização do MEI como forma de acobertar uma relação empregatícia existente.
A CLT, em seu artigo 3º, estabelece os requisitos imperativos da relação de emprego, quais sejam: habitualidade da prestação dos serviços; pagamento habitual; subordinação direta e a imposição de que o próprio contratado tenha de prestar os serviços pessoalmente.
Isso significa que, caso seja reconhecido pela justiça a existência concomitante de todos os requisitos acima mencionados, o vínculo de emprego será reconhecido pela justiça e a empresa tomadora dos serviços será responsabilizada pelos pagamentos e obrigações daí decorrentes.
Portanto, a princípio na hipótese de respeito às regras mencionadas, o MEI poderia ser contratado para prestar serviços a uma outra empresa.
Contudo, retomando a pergunta inicial. Poderia o MEI ser contratado para a realização de um serviço ligado a atividade fim de uma empresa?
Ponto relevante é que a CLT prevê em seu artigo 442-B que a contratação de profissonal autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado.
Contudo, levando-se em consideração que a prestação serviços pelo MEI, na hipótese tratada, se trata de uma prestação de serviços entre empresas, devemos tecer as seguintes considerações:
Com o advento da reforma trabalhista e o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal – STF da legalidade da terceirização de atividade fim, muitas dúvidas surgiram acerca das referidas alterações.
Em resumo, a terceirização é uma modalidade de contratação na qual uma empresa tomadora de um determinado serviço, ou seja a empresa que irá se beneficiar deste, contrata uma empresa a qual prestará o respectivo serviço, sendo que esta segunda é quem efetuará a contratação da mão de obra necessária à execução dos serviços. Portanto se trata de uma modalidade de prestação de serviços entre empresas.
Além disso, vale esclarecer que a atividade fim é aquela ligada a atividade principal de uma empresa, como, por exemplo: mecânicos em uma oficina, vendedores em uma loja, dentre outros.
Quando se fala em terceirização a empresa tomadora dos serviços não dá ordens diretamente aos empregados da empresa prestadora dos serviços.
Porém, antes de entendermos as mudanças é necessário entendermos resumidamente como o assunto era tratado antes.
Até a reforma trabalhista, não existia no Brasil uma legislação que tratasse, seja regulamentando ou proibindo, as terceirizações em nosso país, razão pela qual, após longo debate e audiências públicas, o Tribunal Superior do Trabalho – TST editou a sua Súmula n. 331, a qual, como regra geral, firmava o entendimento de que a contratação de mão de obra para a realização de atividade fim por meio de empresa interposta era ilegal, gerando o vínculo de emprego direto com a empresa tomadora dos serviços.
Assim, caso o judiciário entendesse pela ilegalidade da contratação baseando-se no entendimento firmado na súmula mencionada, a empresa tomadora de serviços seria condenada a registrar a carteira de trabalho do trabalhador contratado pela prestadora de serviços, com a exceção de trabalho temporário.
Ademais, caso a empresa prestadora dos serviços não realizasse os pagamentos corretos das verbas rescisórias, a tomadora dos serviços seria responsabilizada pelo pagamento.
Porém, a reforma trabalhista, Lei nº. 13.467/17, trouxe pela primeira vez uma regulamentação ao tema em nosso país que estabeleceu a legalidade da terceirização de atividade fim, com a alteração no texto da Lei n. 6.019/74, desde que cumpridos os requisitos legais. Portanto, desde novembro de 2017 a terceirização de atividade fim passou a ser legalmente permitida.
Assim, a questão estaria solucionada, porém o regramento vigente no país acerca do direito temporal permitiria a utilização da Súmula n. 331 do TST em casos de contratos de trabalho já existentes.
Contudo, em julgamento realizado em 30 de agosto de 2018, o Supremo Tribunal Federal – STF decidiu que é lícita a terceirização em todas as atividades empresariais, independentemente do estágio produtivo com o qual ela se relacione, seja atividade meio ou fim.
Além disso, com o julgamento da ADPF n. 324 e do Recurso Extraordinário n. 958252, o STF decidiu que as disposições legais que autorizaram a terceirização de atividade fim passam a valer também para os contratos firmados anteriormente à reforma trabalhista.
Dessa forma, como passou a ser permitida a terceirização de atividade fim, pode-se dizer que é possível a contratação de MEI para a prestação de serviços ligada a atividade fim de uma empresa, desde que sejam respeitadas as limitações legais inerentes ao MEI, e que esteja inexistente na prestação de serviços ao menos um dos requisitos dispostos no artigo 3º da CLT.
Thiago Cavalcanti é advogado do escritório Cavalcanti Gasparini (CG), especialista em direito do trabalho. Além de músico e escritor.
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