Lei sancionada no DF gera confusão no setor de academias

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Foto: Arquivo/José Cruz/Agência Brasil

Proposta do deputado Jorge Vianna foi sancionada pelo governador, e Sindicato das Academias do DF (Sindac-DF) questiona a legalidade da norma 

O governador Ibaneis Rocha (MDB) sancionou no início do mês o Projeto de Lei de autoria do deputado Jorge Vianna (Podemos). A matéria (7.058/2022) trata da relação de consumo e a prestação dos serviços de prevenção de doenças, promoção do bem-estar, proteção e recuperação da saúde e da qualidade de vida por entidades públicas ou privadas que atuam no Distrito Federal (DF).

No entanto, a nova lei acabou gerando uma confusão no segmento de academias e o sindicato que representa o setor faz o alerta. De acordo com o Sindac-DF, a problemática acerca da norma se dá pelas inúmeras interpretações que esta Lei transmite, e diante das dúvidas o Sindac-DF elaborou um parecer restringido à interpretação jurídica focada na orientação do que os atingidos pela norma podem ou não fazer.

Na tarde de hoje (14), o Sindac-DF convocou uma assembleia para debater o assunto com os filiados. 

Para o autor na nova lei, a norma tem como objetivo dar ao consumidor a oportunidade de ser assistido por um profissional de sua confiança, tendo uma segunda opinião técnica. Sendo assim, a lei abrange diversos profissionais de saúde.   

“Atualmente, as empresas prestadoras de serviços de saúde utilizam-se de diversas formas para limitar ou cercear o direito de o consumidor poder indicar um profissional de confiança para auxiliar no tratamento e para obter uma segunda opinião técnica emitida por profissional de sua plena confiança”, relata Jorge Vianna, ao acrescentar que a obrigação de utilizar um profissional indicado pela prestadora do serviço se configura como “venda casada”.

Parecer jurídico do sindicato

Dentre os pontos mais importantes do parecer está justamente a explicação da cobrança que é feita pelas academias sob os personal trainers particulares. 

O documento explica que um dos componentes da livre iniciativa é claramente a liberdade de contratar. E extrai-se de tal liberdade o direito de celebrar contratos desde que atendidos os clássicos pressupostos de validade previstos no Art. 104 do Código Civil. 

Portanto, quando o §2º do Art. 2º da Lei Distrital nº 7.058 diz “poderão ser exigidas a apresentação de documento comprobatório da contratação do profissional particular junto ao estabelecimento”, sem, por outro lado, indicar qualquer limitação na forma e regras desta contratação, ela, conforme princípio constitucional da legalidade e liberdade de contratar, permite que as partes contratem livremente, podendo incluir aquilo que ambas, de comum acordo, desejarem. 

Essa liberdade proporciona, inclusive, a possibilidade de criar regras, direitos e deveres no contrato, prevendo, por exemplo, o pagamento de taxa por parte do personal. Até porque, frisa-se, não constou da lei qualquer restrição sobre tal cobrança.

No exemplo acima, onde as partes têm autonomia e liberdade de contratação, a taxa do personal não poderia ser cobrada se a lei expressamente a proibisse, tal como feito no § 3º sobre os consumidores: § 3º As entidades não podem cobrar custo extra dos consumidores.

As “entidades” previstas no mencionado §3º são exatamente aquelas mencionadas no Art. 1º da Lei Distrital nº 7.058 de 05/01/2022, no caso as academias.

Logo, o referido é que as academias não podem cobrar qualquer custo extra do consumidor (cliente/aluno) caso este queira o acompanhamento de um personal, mas, por outro lado, a lei não proibiu a cobrança por parte da academia de taxar o personal. Sendo assim, por força do princípio da legalidade, da livre iniciativa e da liberdade de contratar, a academia estabelece que a cobrança de taxa do personal é plenamente possível e legal.

Declarações do Sindac-DF e do Procon

A presidente e fundadora do Sindac-DF, Thais Yeleni Ferreira, afirma que a lei foi mal redigida e questiona a constitucionalidade da norma, por não apresentar clareza nas explicações, exigências e limitações. 

“Essa lei é muito mal redigida, pois ela mesmo fala que as empresas da área da saúde, como as academias, terão que aceitar os profissionais externos, algo que elas já fazem, no entanto devem mediar um contrato com suas próprias regras para determinar como será esse uso e o que será cobrado dele”, explica a presidente. 

Dadas as interpretações causadas por esta lei, Thais também apresenta um exemplo do quanto uma “possível” não cobrança de taxa dos personal trainers acarretaria em prejuízos para os empreendimentos. 

“Para ficar mais claro nossa explicação vou dar um exemplo: em minha academia, onde investi milhões de reais em reformas, aparelhos e instalações seguras para atender meus alunos, este personal trainer vai usar as dependências do meu espaço para atender o seu cliente, logo, ele vai estar ganhando em cima disso. Contudo, ele também vai estar usufruindo da estrutura, então, nada mais justo eu cobrar um aluguel deste profissional para ele poder desfrutar do mesmo. Essa é a atitude mais natural de todos os segmentos privados, onde o uso sempre é cobrado”, exemplifica.

Por fim, Thais Yeleni pontua que o Sindac-DF é a favor da desburocratização de certos processos que algumas leis ainda implicam, contudo, contesta a interferência de qualquer lei ou órgãos que venham a interferir na iniciativa privada. 

“Esse tipo de lei só desgasta o setor e impede uma união dos profissionais da saúde como um todo, seja do lado dos empreendedores das academias, quanto do lado do personal trainer. Reforço que o sindicato é a favor da desburocratização, no entanto, projetos confusos como este, vem para atrapalhar e desgastar nosso setor”, conclui. 

A posição do Procon-DF é similar, afirmando que a lei tem erros no texto e não é clara. Para o órgão, não há nada de errado na cobrança da taxa por parte das academias, visto que o personal trainer também faz uso das estruturas da academia como água, banheiro e vestuário. “O projeto de lei trará mais prejuízos do que benefícios para os consumidores do Distrito Federal e acarretará severas dúvidas quanto a atribuição administrativa de fiscalização dos segmentos”, completa Marcelo de Brito, Diretor do Procon-DF.

Direito do Consumidor

O advogado Ricardo Bastos, especialista em direito do consumidor, reforça a ideia de que a lei precisa ser vista com ressalvas, “o dono do empreendimento não tem a obrigação de abrir o próprio estabelecimento (privado), para que outro profissional exerça atividades que utilize as dependências e não faça nenhum pagamento. Então realmente essa legislação é tendenciosa a uma inconstitucionalidade”, explica o especialista do Centro Universitário de Brasília. 

“O livre exercício da atividade econômica é regulado por lei, mas é preciso seguir parâmetros de razoabilidade. Neste caso, a legislação interfere no próprio patrimônio do estabelecimento, que vai ceder a sua estrutura e receber o profissional para poder praticar atividade e utilizar banheiro, energia e material do local”, explica o advogado sobre a interferência na livre iniciativa.

Outras tramitações

Há alguns anos, outros projetos de lei já foram debatidos na Câmara Legislativa a respeito deste assunto. Em 2014, a então Deputada Distrital, Celina Leão, propôs o Projeto de Lei 1.795/2014, no qual sugeria a mudança na lei proibindo a cobrança de taxa para o personal nas academias. 

“Desde 2014, o Sindac vem combatendo projetos de lei que nascem na Câmara Distrital com intuito de legislar sobre a iniciativa privada, em nosso caso as academias, onde eles querem forçar as empresas a não cobrarem pela locação do seu espaço. Diante disto, sempre vamos estar acompanhando de perto ações como essa, combatendo com todos os recursos viáveis e legais para que esses projetos sejam avaliados e vistos com calma, a fim de não prejudicar as academias, os profissionais de educação física e o consumidor”, finaliza Thais.

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