
Em um chamado histórico, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou em 25 de março novas diretrizes que exigem uma reforma urgente nos modelos de atendimento em saúde mental em todo o mundo. O documento Guidance on Community Mental Health Services: Promoting Person-Centred and Rights-Based Approaches propõe a substituição de sistemas institucionalizados por abordagens comunitárias, preventivas e baseadas nos direitos humanos. A medida surge como resposta a um cenário alarmante: em muitos países, especialmente os de baixa renda, até 90% das pessoas com transtornos mentais graves não recebem tratamento adequado.
Danilo Suassuna, doutor em Psicologia e diretor do Instituto Suassuna, organização voltada para formação profissional e ações em saúde mental, afirma que a orientação da OMS reflete uma realidade já conhecida por especialistas. “A saúde mental ainda é tratada como um privilégio, quando deveria ser parte essencial da atenção básica. Quando nove em cada dez casos graves ficam sem assistência, estamos diante de uma falha ética e estrutural”, alerta.
No Brasil, apesar de avanços como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e o modelo psicossocial, persistem desafios críticos: subfinanciamento, desigualdade no acesso e falta de capacitação contínua para profissionais. Suassuna destaca a necessidade de expandir o atendimento para além dos consultórios, integrando escolas, unidades básicas de saúde e ambientes de trabalho. “O cuidado eficaz exige uma rede multidisciplinar e territorializada”, ressalta.
Prevenção como prioridade
A OMS coloca a promoção do bem-estar e a prevenção no centro das políticas públicas, defendendo intervenções antes que os quadros se agravem. “O sofrimento mental não surge do nada. Ele é alimentado por condições precárias de vida, isolamento, pressão no trabalho e exclusão social”, explica Suassuna. Nesse sentido, escolas e empresas aparecem como espaços-chave para ações preventivas. Estudos mostram que programas de saúde mental em instituições de ensino reduzem evasão e violência, enquanto iniciativas corporativas contra o burnout diminuem afastamentos e aumentam a produtividade.
Humanização e diversidade no atendimento
O guia da OMS recomenda práticas não coercitivas, como grupos de apoio, terapias digitais e abordagens culturalmente adaptadas. “É preciso abandonar a visão hospitalocêntrica e autoritária. Cada pessoa tem uma história, e o tratamento deve respeitar sua singularidade”, defende Suassuna. No Instituto Suassuna, a formação de psicólogos já incorpora essa visão, combinando técnicas clínicas com responsabilidade social e uso de tecnologia para ampliar o acesso.
Um novo paradigma
A mensagem da OMS é clara: não basta aumentar leitos ou profissionais — é necessário repensar toda a estrutura de cuidado. “Saúde mental é direito fundamental, e garantir isso demanda redes de apoio robustas, formação qualificada e, acima de tudo, humanização”, conclui Suassuna. O desafio agora é transformar as diretrizes em políticas concretas, capazes de reverter décadas de negligência e construir sistemas verdadeiramente inclusivos.
Impacto no Brasil:
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CAPS e RAPS: A Rede de Atenção Psicossocial brasileira é citada como modelo, mas sofre com descontinuidade política e orçamentária.
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Desafios: Ampliar cobertura em áreas rurais e periferias, combater o estigma e integrar saúde mental a outras políticas públicas.
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Oportunidades: Telepsicologia, parcerias com comunidades e capacitação de agentes comunitários podem acelerar mudanças.
Enquanto países se mobilizam para adotar as novas recomendações, especialistas reforçam: a crise global em saúde mental exige ações imediatas, mas também uma mudança profunda em como sociedades enxergam e cuidam da mente humana.