Como exemplo disso, temos o caso de como uma pessoa lida com as dificuldades que lhe são impostas. Para uns, funcionam como um catalisador para atingir determinadas metas, mas para outros, funcionam como uma barreira intransponível.
Isso tudo está ligado ao modo como a pessoa é constituída. As experiências de vida, balizarão nossos comportamentos. Elas que permitirão interpretar os fatos dessa ou daquela maneira. Quero ressaltar que não há um meio certo de se interpretar tudo, pois como disse, a experiência da vida é uma jornada única, feita por cada pessoa.
Oswald de Andrade certa vez escreveu: “a gente escreve o que ouve e nunca o que houve”. Em outras palavras, a nossa percepção da realidade está intimamente ligada ao modo como nos organizamos.
Veja a condição uma pessoa muito agressiva. Ela está funcionando no mundo em um modo constante de batalha, como se estivesse em uma guerra. Já outras pessoas, mesmo sendo expostas a fatores extremamente estressantes mantém a calma.
Conforme já disse, somos formados por nossas experiências. Elas nos ensinam um monte de coisas. Um bebê de repente começa a perceber que se ele esticar o braço e alcançar algo com suas mãos, consegue trazer esse objeto para a boca. Uma criança, pode em um dado momento, descobrir que um dedo na tomada dá choque. Uma traição em um relacionamento, pode levar a pessoa criar uma eterna desconfiança em seus namoros ou casamento.
Mas nem só de experiências ruins nos constrói, mas também experiências boas, seja pelo afeto da mãe na primeira infância, uma vitória na escola, a aprovação em um vestibular concorrido, a graduação em meio a muita luta. Tudo isso também faz parte da composição de uma pessoa.
Certas experiências vividas consolidam traumas, especialmente, na tenra idade, quando a criança ainda não consegue compreender todo o evento ao qual ela foi exposta. O trauma deixa uma marca no inconsciente da pessoa e essa marca vai, junto com as outras ocorrências, formar o modo como a pessoa analisa os eventos na vida. O trauma então, se caracteriza, segundo Ferenczi, como o produto do impacto de algo real em que a pessoa é submetida e a sua incompreensão.
Freud sintetiza o que estou tentando explicar de maneira muito eficaz. Ele afirmava que “Não somos apenas o que pensamos ser. Somos mais: somos também o que lembramos e aquilo de que nos esquecemos; somos as palavras que trocamos, os enganos que cometemos, os impulsos a que cedemos “sem querer”.
É exatamente por isso que repetimos tanto os nossos erros, repetimos diversas vezes situações que nos machucam, exatamente por conta dos traumas e consequentemente, retomando Oswald de Andrade, os traumas vão determinar o que ouvimos e não o que efetivamente ocorreu. Eles explicam porque ninguém é capaz de saber, com exatidão, como o outro vai reagir diante de um dado fato.
Freud e Lacan, dentro de suas capacidades, propunham, com muita razão, que nosso Eu verdadeiro, sem máscaras, existe somente onde não pensamos, pois a partir do momento que colocamos o pensamento para compreender nossa realidade, essa compreensão já vem maculada por nossas marcas traumáticas.
Lacan dizia que o mal estar provocado no tratamento psicanalítico é exatamente porque a pessoa fica desconfortável não com o que ela diz para o analista, mas com aquilo que ela ouve quando fala algo durante uma sessão, pois, retornando ainda a Freud, “as grandes coisas podem ser reveladas através de pequenos indícios.
No processo psicanalítico não fará com que você aceite tudo ou perdoe tudo, muito pelo contrário, no processo psicanalítico o trabalho fará com que a pessoa possa compreender seus traumas, suas dores e seus desejos, tornar mais suave a sua existência. Tudo isso leva a pessoa a perdoar o que for perdoável, suportar aquilo que é suportável, evitar aquilo que deve ser evitado e ainda excluir da vida aquilo que fere o indivíduo.
Compreender as dinâmicas que operam no seu inconsciente fará que a pessoa possa, ouvindo seu psiquismo, funcionar de uma maneira mais fácil em sociedade, fazendo com que seus desejos sejam trabalhados de modo a se atingir, se não a felicidade, pois a psicanálise não entrega felicidade a ninguém, pelo menos uma vida mais fácil, onde os conflitos que se operam no âmago da pessoa sejam mediados de uma maneira mais suave.