Olá leitores da coluna Bastidores de Você! Hoje converso sobre o amor e a paixão. Decidi falar sobre o tema porque muitas pessoas confundem, como eu já confundi, amor com paixão.
Amor, o sentimento, cantado em prosa e verso pelos poetas, músicos cantores, sempre tem a capacidade de nos inspiram, nos deixam leves e nos fortalecem. Afinal de contas, o amor é, como diria Shakspeare, “aquilo que não se vê com os olhos mas com o coração”.
Aliás, amor é o substantivo do verbo amar, portanto deve ser conjugado em todas as pessoas. Já o substantivo, na língua portuguesa, é aquilo que evidencia a essência de algo e como essência é essencial à vida.
O amor não se confunde com a paixão, que apesar de ter sua importância, tal como uma febre para indicar que o corpo está adoecido, a paixão é o fogo que acende a alma. O fogo, esse elemento essencial para a existência humana, por facilitar a digestão e responsável pelo evolução do cérebro, quando fora de controle, destrói, mata, arrasa.
Sim, de fato o amor precisa da paixão para acender, mas nem de longe, depende exclusivamente dela para viver. Me recordo do poema de Bruno Aparecido, que diz o seguinte:
Fogo para mim é igual a paixão.
Paixão é composta por fogo.
Fogo da paixão não é aquele que queima, arde, dói…
É aquele que dá prazer!!
O fogo da paixão tem uma faísca de quero mais,
uma mistura de diversos amores diferentes,
uma miopia de graus Celsius, pra piorar a situação.
O fogo da paixão solta faísca pela boca.
Em outra coluna escrevi que a palavra paixão tem origem no grego “pathos”, que também gerou palavras como patologia, patológico. Enfim, a paixão, também pode se tornar uma doença, quando ao invés de acender a alma, ela a incendeia.
Quando isso acontece, a paixão deixa de ser saudável, pois mesmo sendo a chama que acende a alma e consequentemente o amor, torna-se um incêndio, e o resultado de todos os incêndios é a redução a cinzas. Cinzas da alma.
Essa paixão que esquenta também pode incendiar. Quando isso acontece vira fonte de sofrimento e leva a danos na autoestima, por isso é necessário estabelecer os limites de um e outro. Gostaria que fosse fácil, mas se definir amor é impossível, como saber o limite entre ele e a paixão?
Enquanto o amor é libertador, a paixão gera um vínculo de dependência emocional que, ao contrário do amor, aprisiona o indivíduo devido ao apego excessivo.
Nietzsche distinguiu do amor das outras coisas do mundo. Segundo o autor, o amor está na própria realização do ser. Para ele: “a melhor cura para o amor é ainda aquele remédio eterno: amor retribuído”.
Dizer do amor é tão difícil que podemos lembrar de Camões. Para ele o amor é: “um não sei quê, que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei por quê”. Fernando Pessoa, por sua vez dizia: “quem ama nunca sabe o que ama; nem sabe por que ama, nem o que é amar”.
Desde a antiguidade tentamos entender o que é o amor. Se tivéssemos essa capacidade, o amor perderia justamente seu maior poder, que é o magnetismo da sua indefinição.
Essa incapacidade de definição repousa no paradoxo existente nele. Uma pessoa que ama, ama aquilo que acredita que o amado possui, colocando o amado em um lugar de possuidor de algo. Em psicanálise nomeamos isso de objeto de desejo do amante.
Por outro lado, o amado, não tem esse aquilo que o amante deseja, mas por não saber que não o tem, aceita entregar ao amante. O amado não sabe o que lhe é amado, mas mesmo não sabendo, ocupa o lugar de objeto do desejo.
Isso não significa objetalizar a pessoa, esse é o erro. Quando confundimos o amor com a paixão e agarramos a ela, o amado se torna objeto, se torna coisa e por isso, torna-se tão destruidor. Coisas prendem nossas almas enquanto o amor é libertador.
A paixão nos inscreve no plano das relações imaginárias, daquilo que se define e que se vê, exatamente por isso que a paixão exige provas, demanda posse, cobra por algo que nunca poderá ser satisfeito e vai criando na pessoa a dor que vai consumindo e transformando em cinzas a sua alma.
A paixão, então, faz com que o outro seja aniquilado, que suas individualidades sejam anuladas, de tal forma que o destino da paixão que não se converte em amor é fazer dos dois um, não pela fusão, mas pelo aniquilamento do outro.
Numa sociedade como a nossa, onde tudo é objetalizado, onde devido a falta de tempo dos pais, o amor acaba sendo supostamente correspondido pela entrega de presentes, pelos tablets, celulares, e tudo mais, fica natural as pessoas passarem a ligar o amor a uma coisa. O amor não é coisificável, por ser indefinível. O amor se liga a sensações e não a coisas.
O verdadeiro amor, como Lacan descrevia, está para além do amado. Ele afirmava que “amar é dar aquilo que não se tem para alguém que não o quer”. Assim, numa sociedade coisificada, onde comerciais de tv falam que amar é presentear, é dar algo material, sendo que na verdade o amor é intangível, fica fácil confundir as coisas e por conta da confusão, arruinar-se.
Digo de ruína porque ao coisificar as relações, cria-se a dependência do outro, levando ao amante a enterrar a sua própria vida em um ato de automutilação psicológica em que o amor-próprio, o autorrespeito e a nossa essência são oferecidos e presenteados irracionalmente.
Isso leva a não ocorrência da troca que uma relação a dois deveria proporcionar. O que se tem é uma dependência coberta por um falso sentimento de amor. Isso leva a um processo onde a pessoa passa a perder, paulatinamente, a sua personalidade, até se tornar um mero arremedo de pessoa, tal como um acessório do outro. Um corpo em que a alma já não mais está acesa, mas sim, reduzido a uma porção de cinzas.
Não estou pregando contra a paixão, como disse no início do texto, a paixão é a centelha que faz o fogo se acender, mas como todo fogo deve ser controlado para que a chama, ao invés de destruir tudo, passe a aquecer a alma, transformando a lenha que temos em nossa alma em brasa que vai nos permitir cozinhar os pratos, doces, salgados, amargos e ácidos da vida, tornando tudo mais gostoso e mais fácil de ser digerido.
Não existe amor sem paixão, mas também não pode haver paixão sem amor. Saber diferenciar é fundamental para uma vida mais leve e libertadora, pois mesmo sabendo da impossibilidade de definição do amor, é possível perceber se a situação vivida é apenas amor ou paixão. No final das contas, a paixão causa dependência, enquanto o amor, como sentimento da pessoa, é absolutamente libertador.