Entrevista com Aurélio Murta, vencedor da categoria Pesquisador Individual do Troféu Frotas & Fretes Verdes

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Professor Aurélio Murta. Foto: Cláudio Cesar

Conversamos sobre os desafios da logística no Brasil com o pesquisador e autor de diversos livros sobre o tema

O currículo extenso de Aurélio Murta o coloca entre os grandes nomes do meio acadêmico na área de Logística no país. A vida dedicada à ciência e ao estudo do professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) foi reconhecida mais uma vez pelo Troféu Frotas & Fretes Verdes 2021, promovido pelo Instituto Besc.

Vencedor na categoria Pesquisador Individual, Murta é autor de livros e de inúmeros artigos científicos publicados nas principais revistas do país e do mundo. Atualmente, além de docente da graduação e do mestrado em Administração da UFF, o acadêmico ainda é professor e coordenador do MBA em Logística Empresarial e Gestão da Cadeia de Suprimentos da UFF e pesquisador do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais – IVIG/COPPE/UFRJ. 

Ele tem Pós-doutorado em Planejamento Energético e Ambiental pelo PPE/COPPE/UFRJ, Doutorado em Engenharia de Transportes pelo PET/COPPE/UFRJ, Mestrado em Engenharia de Transportes pelo Instituto Militar de Engenharia – IME e Graduação em Engenharia Civil pela Fundação Percival Farquhar – Univale. É membro Imortal da Academia Brasileira de Ciências, Artes, História e Literatura (ABRASCI), Membro da Academia de Letras de Teófilo Otoni (ALTO) e foi premiado em 2019 com o Troféu Frotas & Fretes Verdes como Pesquisador Individual da Área de Logística. Possui experiência na área de Engenharia de Transportes, Operação Logística e Gerenciamento de Projetos.

Neste ano, Aurélio Murta está lançando um novo livro: Análise da Viabilidade de Autoprodução de Biodiesel por Frotistas de Transporte Ferroviário: O Caso da Estrada de Ferro Carajás. Na obra, o pesquisador aborda as mudanças globais provocadas pelo uso dos combustíveis fósseis e os impactos no meio ambiente. Dentro desse cenário, o biodiesel aparece como uma alternativa viável para o transporte ferroviário.

Sobre este e outros temas correlatos, conversamos com o professor Aurélio Murta. Confira a entrevista abaixo: 

CTXT: Professor Murta, o seu novo livro traz um debate pela busca de novas fontes de energia e coloca o biodiesel como uma opção importante. Além disso, propõe a autoprodução do biodiesel pelo próprio transporte ferroviário. O senhor pode nos contar mais sobre a sua pesquisa?

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Aurélio Murta. Foto: Reprodução/Twitter

Aurélio Murta: Esse livro nasce da minha tese de doutorado. Na minha tese de doutorado, eu tratei desse assunto do uso do biodiesel no transporte ferroviário. Essa ideia surgiu a partir de um projeto que a gente fez na COPPE/UFRJ, no Centro de Pós-Graduação em Pesquisa e Engenharias da UFRJ, onde a gente fez um um projeto com a Vale, onde ela estava querendo testar biodiesel nas locomotivas, e o biodiesel que estava sendo testado era em um percentual um pouco maior do que o autorizado pela ANP. 

Hoje em dia no Brasil, você basicamente não usa o biodiesel puro, ele é misturado ao diesel. Essa parcela de biodiesel, que é misturada ao diesel, reduz poluição e reduz emissão de gases de efeito estufa. Portanto, com as pesquisas nesse projeto, eu consegui dar origem a minha tese de doutorado, e deu origem ao livro, com atualização de informações, dos cenários atuais e ainda discutindo a possibilidade de um transportador ferroviário produzir o seu próprio biodiesel, caso seja do interesse dele. Mas não é só a questão de produzir o próprio biodiesel, é a questão do uso, ou seja, mesmo se estiver apenas comprando quais seriam os benefícios de usar esta solução.

CTXT: No setor de logística, o biodiesel é o caminho para a sustentabilidade no país?

Aurélio Murta: Eu acho que é um dos caminhos. Eu não apostaria jamais numa solução única. Nós já temos o etanol que é até mais antigo do que o biodiesel em termos de uso em escala no Brasil. Nós temos ainda outras soluções que estão aparecendo, como a célula combustível, o veículo elétrico, e uma série de outras iniciativas. 

Eu acho que o biodiesel seria uma delas. Uma grande vantagem do biodiesel é que você não precisa modificar a tecnologia do veículo, como ele se comporta de forma muito semelhante ao diesel, basta que você coloque ele no tanque do caminhão, que o caminhão irá rodar normalmente. Diferente, por exemplo, do etanol. Foi preciso fazer uma série de modificações para que o veículo a gasolina aceitasse o etanol. No caso do veículo elétrico, você praticamente tem que reinventar o veículo, e assim por diante.

O biodiesel tem essa facilidade. O comportamento físico-químico dele é muito parecido com o diesel. Então, no veículo convencional à diesel, um caminhão comum, se você abastecer com biodiesel, de preferência misturado, o caminhão vai continuar rodando normalmente. 

CTXT: Em alguns países, como por exemplo, na Alemanha, existe a possibilidade de fabricantes ou players da mobilidade urbana investirem no próprio sistema de transporte. Essa seria a intenção de se pensar na produção do biodiesel pelos frotistas de transporte ferroviário?

Aurélio Murta: Na Alemanha, se não me engano, de fato, os fabricantes podem investir no próprio sistema de transporte. Na verdade, no livro, eu faço uma discussão sobre isso: do grande frotista ferroviário poder fazer o investimento na produção do biodiesel e deixar de ser refém dos fabricantes de combustíveis. Isso seria uma ‘meia’ independência energética de um grande frotista, como é a Vale ou qualquer outra empresa grande frotista consumidora de combustível.  

Seria uma coisa interessante. Obviamente, você teria que criar uma outra unidade de negócio para produção. Seria preciso criar uma empresa de energia para poder produzir esse biodiesel. Eventualmente, plantar a oleaginosa, colher, esmagar, transportar o óleo e depois fabricar o biodiesel, controlar a qualidade e depois abastecer. Varia muito do core business da empresa.

Uma coisa interessante de se pensar é que cada vez mais a energia tem se transformado em um insumo precioso e eventualmente, escasso em algumas regiões. Pode observar que a gente depende ainda muito do petróleo. Boa parte do petróleo do mundo está na região do Oriente Médio, onde você tem seríssimas e clássicas instabilidades políticas e religiosas, o que volta e meia pode dar algum tipo de problema, como aumento exorbitante do preço do barril do petróleo e consequentemente, todos os combustíveis vão acompanhando. 

Então, se há uma instabilidade grande no local onde essa matéria-prima é extraída e o frotista ou até mesmo o país, no caso o Brasil, pode reduzir essa dependência desse insumo, investindo em outro, isso seria, obviamente, uma coisa bem interessante.

CTXT: Foi esta pesquisa que o qualificou para ser o vencedor, mais uma vez, do Troféu Frotas & Fretes Verdes?

Aurélio Murta: Eu acho que o que me qualificou para ser o vencedor do Troféu Fortas & Fretes Verdes pela segunda vez são as pesquisas que eu venho fazendo todos esses anos. É praticamente uma vida dedicada à ciência e ao estudo. 

Nesta pandemia, por exemplo, foram dois livros lançados em intervalos de mais ou menos quatro meses. Um que trata da questão de custos de transporte e outro que trata dessa questão do biodiesel.

Sem falar nos diversos artigos científicos publicados em revistas internacionais e revistas de renome indexadas e reconhecidas pelo Ministério da Educação e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.

CTXT: O que representa esse reconhecimento do Instituto Besc? E de que forma a premiação fomenta a pesquisa e a ciência no país?

Aurélio Murta: Eu acho que o Instituto Besc presta um serviço excepcional para as empresas e para ciência no Brasil. Quando o instituto promove os eventos e consegue colocar em uma mesma mesa a academia, as empresas, os órgãos de governo e diversos outros setores para poder conversar sobre transporte, infraestrutura, sustentabilidade… Acaba sendo bastante interessante e rico em termos de informações. O Instituto Besc presta um serviço excepcional à sociedade, ao Brasil.

Existe uma seriedade muito grande na elaboração dos eventos, tanto o Painel quanto o Frotas & Fretes Verdes, e o Instituto Besc procura trazer os melhores para discutir sobre os temas selecionados.

Eu acho que a premiação, de uma forma geral, é interessante porque ela coroa todo esse trabalho. Nada mais interessante do que você premiar o pesquisador que mais se destacou em determinado ramo da ciência naquele ano. Felizmente, foi o meu caso nesse ano. 

A dependência do modelo do transporte rodoviário é um fator negativo para a logística no Brasil ou este modelo segue à frente por ter mais capilaridade e pela entrega porta à porta?

A excessiva dependência do modo de transporte rodoviário no Brasil é um consenso entre todas as pessoas que discutem transporte, discutem logística. Já é um consenso que isso é um erro. É necessário que haja um reequilíbrio dessa matriz para que seja possível transportar cargas de forma mais eficiente, mais barata e tudo mais. 

O sistema de transporte rodoviário sempre vai ser muito importante. Só que ele não deve promover uma competição entre modais. Ou seja, eu posso levar a carga daqui do Rio de Janeiro lá pra Porto Alegre pelo caminhão, pelo navio ou pela ferrovia. Não! Está errado! Na verdade, cada um deveria operar em um setor diferente, com cargas diferentes, com urgências diferentes e velocidades diferentes.

O sistema de transporte rodoviário tem um raio de atuação tecnicamente viável de mais ou menos 600 quilômetros. A partir daí, ele começa a ficar muito caro, dependendo do tipo de carga que você vai levar. Mas ele sempre vai ser um modal de integração importantíssimo. Porque, afinal de contas, quando o navio chega no porto, eventualmente, se o dono da carga não estiver no porto, e ele estiver em uma cidade mais do interior, então, é necessário que o sistema de transporte rodoviário faça essa ligação, chamada de porta a porta. 

Lá na origem da carga, eventualmente, a fábrica não está dentro do porto, então é preciso que o caminhão leve a carga até o porto, o navio traga até o porto de destino e aí, o caminhão faça esse último trajeto. Então, ele sempre vai ser um sistema muito importante, só não pode ser o sistema de maior uso em nenhum país como é no Brasil. Se você olhar países com dimensões como o Brasil, a matriz de transporte é bem diferente da brasileira. Ela é bem dividida entre o sistema aquaviário, o sistema ferroviário e também o rodoviário. Então ela fica bem equilibrada, investindo-se mais inclusive nos dois primeiros: o aquaviário e o ferroviário.

No Brasil é o inverso. Você tem quase 60% das cargas internas sendo transportadas pelo sistema rodoviário, o que é um erro, porque encarece, ainda tem esses congestionamentos absurdos nas rodovias e uma série de outros problemas.

Como o senhor vê o futuro da logística no Brasil? Quais são os principais entraves e os principais avanços do setor?

Eu vejo que há uma tendência de melhoria na logística. Tem muita coisa para se fazer ainda, sobretudo, a desburocratização dos serviços de logística, são muitos documentos, e são muitos impostos que se paga.

A infraestrutura também precisa melhorar bastante. Nos últimos dez, quinze anos tem se investido em programas de dragagem portuária para aumentar a capacidade dos portos para receber navios de grande porte. Os aeroportos foram remodelados para esses grandes eventos que ocorreram recentemente no Brasil. 

Está se investindo em ferrovia, mas a ferrovia é mais delicada, porque como ficou muito tempo sem investir, o passivo é enorme. Assim, por mais que se invista, temos que fazer um programa de investimento por décadas. Não é só investir agora, parar e voltar quando entrar um outro governo. Enfim, tem que fazer um programa que não dependa de governo, seja um um programa de Estado para corrigir esse passivo e também, para aumentar e a capilaridade da malha. 

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Avenida Portuária do Rio de Janeiro foi inaugurada em abril deste ano. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Sob o ponto de vista do transporte rodoviário, por incrível que pareça, apesar de ser 60% de participação na matriz de transporte, as rodovias não são de boa qualidade. As rodovias não são duplicadas a maior parte delas, e tem muitos acidentes nas estradas.

A malha dutoviária, que transporta gás natural, petróleo, combustíveis, precisa também aumentar a capilaridade para evitar o transporte de combustíveis, que são produtos perigosos, em caminhões e em trens. Por que isso não vai por duto?

Então, acho que, por exemplo, está se pensando na expansão da malha ferroviária, por que a dutoviária não acompanha? Nos Estados Unidos, você tem um acompanhamento interessante, funciona assim: quase que ao lado de cada trilho tem um duto passando na mesma faixa de servidão. Então, o ferroviário não fica competindo com o duto para transportar combustíveis. Cada um transporta aquilo que é sua maior vocação. 

Eu vejo que esses avanços já trazem alguns benefícios, mas precisa melhorar muito e por último, eu diria o seguinte: a logística precisa andar com a velocidade da informática, não dá mais para ter agenciamento de carga, entrega de documentação, e atracação de navio com entrega de documentação que seja feita de forma manual. As coisas precisam ser automatizadas. 

Nós temos, à exemplo disso, o Porto Sem Papel que representa a tendência de acabar com todo tipo de papel. Os documentos todos eletrônicos contribuem para agilidade dos processos e para redução de custos.

Sobre o Instituto Besc

O Instituto Besc de Humanidades e Economia tem por finalidade a promoção do estudo e do conhecimento de todos os núcleos do saber por meio da realização de conferências, estudos, pesquisas e seminários que possibilitem o debate de ideias e a realização de ações em benefício do desenvolvimento humano e da qualidade de vida sustentável no Planeta.

Focado nesses aspectos, o Instituto Besc espera contribuir com a formulação de políticas públicas para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil e, ainda, com as políticas de investimento público-privado que se destinam ao crescimento e inserção de todas as regiões brasileiras no universo do conhecimento, do saber e do bem-estar social.
Com esses propósitos, o Instituto Besc reúne, em torno de interesses comuns, dirigentes de empresas, especialistas de organizações privadas, públicas e não-governamentais, estudantes e estudiosos de problemas nacionais e continentais.

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