Avanço na medicina: terapia gênica chega ao país

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, neste mês de agosto, o registro da primeira terapia gênica no país. A novidade será utilizada para tratar pacientes com perda de visão causada pela Distrofia Hereditária da Retina (DHR). A doença, de origem hereditária, se caracteriza pela mutação nas duas cópias do gene RPE65.

Criada, nos anos de 1970, por Theodore Friedmann e Richard Roblin, a terapia gênica consiste na correção de genes defeituosos com a introdução de genes saudáveis ou chamados de terapêuticos. 

O registro concedido pela Anvisa representa um avanço da medicina no Brasil, por abrir a porta para o tratamento de doenças hereditárias ou doenças raras. A expectativa é que este tratamento possa ter no futuro cobertura pelo Sistema Único de Saúde. 

DHR

A Distrofia Hereditária da Retina representa um grupo de doenças raras, que são causadas por alterações genéticas. Ou seja, ocorre a degeneração das células fotorreceptoras da retina e assim, a perda progressiva da visão. A retina é um tecido localizado no fundo do olho e sensível à luz. Quando as células da retina sofrem a degeneração, elas passam a não funcionar e morrem. Sem a captação adequada de luz, as imagens não são formadas corretamente e assim, a visão fica prejudicada.

Para melhorar a qualidade de vida dos pacientes, os médicos podiam apenas recomendar o uso de auxílios ópticos, como óculos especiais ou lupas.

Assim, a terapia gênica traz esperança para os pacientes. A técnica é realizada nos Estados Unidos desde 2017. Funciona da seguinte forma: se utiliza de um um adenovírus que é “alterado geneticamente e ao ser inoculado, ele consegue alterar a falha do RPE5”, explica o Dr. Renato Braz Dias, especialista em Retina e Vítreo no Hospital de Olhos – Inob.

Dr. Renato Braz Dias, oftalmologista do Inob

Passos para o procedimento

Ainda de acordo com o médico, para que a pessoa possa realizar o procedimento é preciso seguir alguns passos. “A primeira coisa é o diagnóstico correto. O paciente tem que ir até um especialista de retina que vai avaliar se aquele caso, clinicamente, encaixa neste diagnóstico”. 

O médico explica que o paciente passa por uma bateria de exames clínicos e de sangue para confirmar se há de fato uma alteração no gene RPE65. Cabe ao especialista avaliar se a terapia trará benefícios, pois em casos muito graves de DHR, o tratamento pode ser ineficaz, “depende quanto de célula viável o paciente tem”.

Com a avaliação feita e o tratamento recomendado, o paciente passa pelo procedimento, e a medicação é aplicada embaixo da retina, “é feito em um olho depois em outro olho”. 

Após a aplicação, o paciente entra na janela terapêutica e precisa ser acompanhado pelo médico. Para comprovar a melhora, existe um teste realizado em um labirinto. Neste espaço, o paciente se depara com degraus, com diferentes intensidades de iluminação. O especialista relata que antes do tratamento, pacientes que passam por este labirinto demoram muito e “depois do tratamento, você vê que eles conseguem completar em muito menos tempo”.

Dr. Dias diz que a DHR atinge, nos Estados Unidos, cerca de 2.000 pessoas. No Brasil, não há dados consolidados, mas estima-se que de 1.000 a 2.000 pessoas seriam afetadas pela doença. O uso do tratamento no país ainda deve ser debatido por planos de saúde, clínicas e pelo próprio SUS. O que se sabe é que fora do país, o custo deste tratamento ainda é bem alto, nos EUA, o valor gira em torno de 850 mil dólares.

Outras doenças

Além da DHR, existem duas doenças que podem ser tratadas com a terapia genética autorizada pela Anvisa: a Amaurose de Leber e a Retinose Pigmentar. O Dr. Dias reforça que a Retinose apresenta outras variações, assim, apenas a causada pela alteração do gene RPE65 poderá ser tratada pela nova terapia. 

O especialista comemora a autorização da Anvisa. Ele conta que não imaginava, depois de tantos anos de carreira, ver este avanço na medicina: “é um divisor de águas”, afirma. A terapia genética “é uma luz” para a ciência. Isto porque, além da DHR ou outras doenças da visão, passa a ser possível imaginar um futuro em que doenças hereditárias possam ser tratadas de forma mais eficaz.

Do ponto de vista legal

Para o professor Dr. Marcelo Válio, Pós Doutor em direito de pessoas vulneráveis, o registro desse primeiro tratamento representa um grande avanço. Como lembra o professor, em maio de 2019, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) tirava a obrigação do Estado de fornecer medicamento sem registro na Anvisa.

“Esse novo registro é o primeiro de uma terapia gênica no país, específica para tratar a Distrofia Hereditária da Retina (DHR) e não mais impedirá, como regra geral, o fornecimento desse medicamento por decisão judicial, independentemente da exceção prevista naquela mesma decisão do STF referente à medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras”, diz o especialista.

Válio ainda destaca que “revela-se uma nova diretriz de atuação da Anvisa, muito mais voltada à proteção do ser humano, através da terapia gênica decorrente dos avanços da genética médica e da bioengenharia. Abre-se a esperança de registros de novas terapias gênicas que poderão salvar muitas vidas”, completa.

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