
O dia 27 de janeiro marca os 75 anos da libertação do campo de concentração em Auschwitz, na Polônia. Ainda durante a Segunda Guerra Mundial, foram os soviéticos que invadiram o local e libertaram cerca de 7.500 sobreviventes. Ali foi o momento em que o mundo se deparou com a crueldade do regime nazista que perseguiu, aprisionou e matou seis milhões de judeus. Sem dúvidas, o holocausto é um dos capítulos mais tristes da história da humanidade.
Por meio da Resolução 60/7, de 2005, da Assembleia Geral das Nações Unidas, a data de hoje foi estabelecida como Dia Internacional em Homenagem às Vítimas do Holocausto. Na Associação Cultural Israelita de Brasília (ACIB), um ato solene celebra a memória dos que perderam a vida ou daqueles que sobreviveram ao horror da guerra.
A presidente da ACIB, Tamara Socolik, lembra que o dia 27 não é uma data religiosa, mas “por conta de sua origem, nós a sagramos da forma como nossa cultura aconselha: com austeridade, comedimento e muita reflexão.”
Os números do conflito são alarmantes, como aponta Maia Ben Toguchi, presidente do Instituto Dana Salomão, uma organização judaica. “Morreram seis milhões de judeus, três milhões e meio de judeus sobreviveram. Mas essa data é muito marcante porque judeus morreram pelo simples fato de serem judeus. Então, é uma data que nunca deve ser esquecida pela comunidade judaica porque foi uma tentativa de extermínio do povo judeu”, ela ainda lembra que “se fala da Segunda Guerra como algo distante (no tempo), mas ela não foi tão longe, ela foi perto e deixou sementes”.
Sobreviventes
Tamara Socolik lembra que muitos sobreviventes encontraram um novo lar no Brasil, e em Brasília, alguns deles puderam recomeçar. “Efraim Frajmund, Magda Vajda e Lulu Landwehr, todos já são falecidos. A cerimônia de hoje (27) contará com a presença de seus filhos e netos.”, conta.

Em 2017, Francisco Balkanyi, sobrevivente de Auschwitz, convidou a escritora Maura Palumbo, vencedora do prêmio José de Alencar com um romance sobre a Segunda Guerra, “O perfume das Tulipas”, para escrever a biografia dele.
Quase apagado pelo tempo, o número de identificação 186650 ainda está tatuado no antebraço de Francisco. O ex-prisioneiro do principal campo de concentração nazista chegou ao Brasil em 1971. Segundo Maura, um dos momentos mais fortes da biografia é quando “ele se separa da mãe, assim que chega a Auschwitz. Senti o quanto isso destroçou o coração de um menino de apenas 15 anos. É absolutamente terrível. Brutal.”
A escritora ainda destaca: “é inegável o poder de resiliência do povo judeu e aí eu posso garantir: não houve em tempo algumas pessoas que souberam se reinventar e se orgulhar por terem sobrevivido.”
O horror da Guerra
Após ler o Diário de Anne Frank, a jovem que morreu meses antes da libertação de Auschwitz, Maura se viu comprometida com a autora daquela história e isto a incentivou a estudar ainda mais a Segunda Guerra. Hoje, escritora e estudiosa do conflito ainda tem uma pergunta sem resposta: “a maior indignação de como a humanidade foi capaz de protagonizar tamanho massacre, nunca será respondida”.
Os conflitos bélicos tiram a humanidade das pessoas, e o maior ensinamento de uma guerra, para Maura Palumbo é a conscientização de combate contra novos conflitos bélicos e a escrito deixa um questionamento: “mas, será que a humanidade está disposta para isso? Aprendemos pouco sobre a paz e infelizmente exercemos muito o ódio.”
Foi com muita crueldade que o regime nazista tratou judeus e outros grupos. De experiências científicas, crianças sendo enterradas vivas e as câmaras de gás. Um horror que não deverá ser apagado da memória da comunidade judaica, que também não esquecerá a ajuda recebida durante o conflito: “os judeus que sobreviveram receberam ajuda dos muçulmanos, da Turquia e do Irã. Uma parte da Igreja Católica também ajudou na fuga dos judeus e o povo judeu será sempre gratos a estes povos que ajudaram durante o nazismo”, conta a presidente do Instituto Dana Salomão.
Maia ainda lembra de Olga Benário, que foi entregue aos alemães por Getúlio Vargas e morreu em um campo de concentração, e faz o seguinte questionamento: “se eu tivesse vivido esse período histórico, será que eu teria sobrevivido?”

A luta contra o antissemitismo
Mesmo a história sendo contada inúmeras vezes, ainda é possível ver manifestações fascistas ou nazistas pelo mundo após 1945. Maia Ben Togushi acredita que as sementes que foram plantadas pelo nazismo e pelo fascismo ainda existem, e isto justificaria o discurso de ódio que ainda é visto em diversos países.
“Não apenas os judeus morreram durante a guerra, os homossexuais, os negros e outros grupos que eram odiados por Hitler. Hoje, o nazismo ainda está presente. Infelizmente, vimos o discurso de um ministro do governo atual copiando o discurso e o cenário de um ministro nazista. Isso é muito perigoso para a nossa liberdade, para a nossa cultura e principalmente, para a evolução da sociedade brasileira. Nós lutamos para que o nazismo nunca volte a ser uma realidade porque ele representa uma das lembranças mais dolorosas”, alerta a presidente do Instituto Dana Salomão.
Maura Palumbo entende que o ódio é contagiante, mas que deve ser combatido com muita atenção. “Estamos conectados cada vez mais e isso nos deixa mais informados e ao mesmo tempo mais vulneráveis. O que cresce no mundo é a total falta de respeito pela vida. Quem ainda cultiva princípios nazistas desconhece a História e a dor arrebatadora do sofrimento e lamentavelmente estará sujeito a repeti-la cada vez mais, de forma mais violenta e mais inconsequente”, afirma a escritora.
Representando a comunidade judaica em Brasília, a presidente da ACIB, destaca que: “a importância de estarmos aqui hoje, lembrando esta data, 75 anos depois, se dá primeiro para homenagear os milhões de judeus – e não judeus – assassinados, e segundo, para reafirmar nosso compromisso com a luta para que o passado não se repita, principalmente quando vemos que, não só no Brasil mas também num contexto mundial, pensamentos autoritários e o antissemitismo ensaiam o acesso ao século 21. Nossa homenagem não é passiva: honramos a memória dos que pereceram e dos que nos precederam não apenas com condolências formais, mas com a responsabilidade por uma nova ética”.