Olá caros leitores de nossa coluna. Espero encontrar todos com saúde, ainda mais nesse momento de recrudescimento da pandemia provocada pelo COVID-19.
Hoje converso sobre o motivo pelo qual penso que o brasileiro está enfrentando este momento calamitoso e, ao meu sentir, deixando claro que não quero falar de política, pelo contrário, quero problematizar o que levam as pessoas a tomarem medidas que sabidamente são um risco para a saúde.
A grande questão é, partindo do meu local de observação, que é a psicanálise, isto se dá pela morte do fator ordenador da sociedade, a Lei, ou sendo mais freudiano, o pai. Explico.
Quando falo da morte do pai, não falo do perecimento do seu, do meu ou de qualquer outro genitor, mas sim do apagamento da figura paterna que tem sido feito sistematicamente em nossa sociedade.
Outro dia vi uma foto da Estação da Luz, em São Paulo, lotada na hora do rush com as pessoas indo para o trabalho e o apresentador da notícia dizia em tons, quase raivosos, que a culpa da pandemia não está na recusa do brasileiro em se afastar, mas também na recusa dos nossos governantes em criar condições para que não haja aglomerações seja nos ônibus, metrôs ou trens urbanos, mantendo os meios de transporte em constate lotação.
Diante dessa realidade caótica, em que a maioria dos trabalhadores precisam enfrentar, associado à descrença geral que nossos líderes, salvo algumas exceções. Nossas lideranças são pessoas que se mostram nem um pouco preocupadas com o povo e tão somente com seus interesses pessoais eleitoreiros. Diante disso, fica fácil entender os motivos que a população se aglomera nos fins de semana, o porquê de nos feriados estão lotando as praias e muito mais.
Em psicanálise o Pai aparece como uma figura ordenadora, que impõe a regra para todos limitando nossos desejos, operando dessa forma a castração. Já no Brasil, infelizmente, na relação da população com o poder isso não se opera dessa forma, pelo contrário, me parece que vivemos em uma sociedade em que, via de regra, as leis não importam muito. Temos alguns exemplos para citar: em que país do mundo conseguimos ouvir a expressão “lei que pega” e “lei que não pega”? Ora, o próprio fundamento da existência da lei é obrigar a todos da mesma forma, mas aqui, algumas leis simplesmente não pegam, ou seja, simplesmente não exercem qualquer coerção sobre as pessoas. Outro exemplo que acho delicioso em nossa sociedade é a velha frase: “poder não pode, mas bem conversadinho…” Essas expressões revelam exatamente como funciona o brasileiro em sua grande maioria, onde a regra não vale, aliás, vale para o outro.
O que percebo é que o pai, enquanto função simbólica, é estruturante, de modo que o exercício de sua função tem ressonâncias na estruturação psíquica da criança e no seu processo de desenvolvimento. Do mesmo modo funciona com as sociedades, onde o Estado tem essa função, assim, na relação entre mãe e filho, o pai real está fora, ainda mais pelo fato de o filho estar identificado ao seu falo.
O Estado no Brasil está mutilado em seu falo, o falo não existe, assim, fica muito difícil o cidadão acreditar nas medidas que determinariam comportamentos. Neste sentido, temos que lembrar as lições de Rozitchner que afirma o seguinte:
Assim, a subjetividade fica determinada e organizada por uma forma infantil que tem características muito importantes e particulares porque a solução a que a criança chegou é o resultado de um processo infantil, mas também individual e imaginário. E sem dúvida isso vai aparecer organizando esta estrutura pessoal que terá vigência no campo real, coletivo e adulto (Rozitchner, 1989: 35).
Aliás, diante do que estamos dizendo, podemos expandir o pensamento e entender que o processo civilizatório cobra uma conformação e a contenção da energia pulsional, pois essa pulsão tem que ser contida para que a sociedade se organize minimamente.
Neste sentido, o Complexo de Édipo passa a fazer a tradução da contenção, mas a sua experiência faz com que também se contenha a heteroagressividade.
A nossa sociedade, possui uma organização psíquica tal como um indivíduo, assim o Estado (função paterna eO que explica os comportamentos de risco diante da pandemia ordenadora) que tem o papel de impedir os rompantes individuais, frutos dos desejos idílicos (como o superego faz em cada indivíduo).
Acontece que no Brasil o Estado não exerce esse papel. Isso se dá porque quando o cidadão médio olha para nossos governantes e percebe o pouco caso das autoridades com a coisa pública, também não vê nele a representação de seus anseios, assim, sentindo-se isolado e sem um fator ordenador não é difícil compreender os motivos que levam a determinadas regras simplesmente não funcionarem.
Ao tomar conhecimento de um baile da 3ª Idade, onde mais de 100 pessoas do grupo de risco se reuniram, ao ver o crescente número de jovens sendo infectados e mesmo assim as aglomerações estão acontecendo, só me resta concluir que estamos vivendo exatamente o quadro em que o Pai está morto e, sendo assim, cada um faz o que quer para o seu prazer.
Outro ponto que também não podemos deixar de fora é que os comportamentos de risco feitos pelas pessoas servem também como uma válvula de escape para uma realidade caótica, pois não me causa espanto argumentos como o que ouvi outro dia. “Eu ando em ônibus porque não tem outro meio de ir para o trabalho, porque não posso me juntar com meus amigos em um bar para beber?” A pessoa ainda disse: “Se eu tenho que correr os riscos todos para trabalhar, porque vou matar meu único momento de prazer na semana?”
Essa é a nossa psicose, esse é nosso maior problema, infelizmente, por conta de uma elite que só pensa em si mesma, que fica politizando a pandemia, seja para um lado ou para o outro, o cidadão fica perdido no meio desse fogo cruzado e por conta disso abre mão até de sua segurança.
Não consigo condenar as pessoas, talvez a saída psíquica que alguns têm encontrado seja a única forma de não entrarem em parafuso e se arrebentarem diante de uma realidade tão hostil que se põe à frente das pessoas. Apenas sinto que os comportamentos de risco são frutos da tempestade perfeita. Um psiquismo em sofrimento associado a uma cultura que não reconhece o agente ordenador.
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