Gordura de queijos e iogurtes é uma aliada da saúde cardiovascular

Conversamos com o Dr. Marco Gama, pesquisador da Embrapa, sobre o estudo internacional que reafirma que o consumo da gordura presente em queijos e iogurtes faz bem para a saúde

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Foto: Anthony Arnaud/ Pixabay

Pesquisadores australianos do The George Institute for Global Health concluíram um estudo divulgado recentemente que o aumento do consumo de gordura láctea aparece como um aliado na redução dos riscos de doenças cardiovasculares.

Os cientistas combinaram resultados de um estudo com mais de 4 mil adultos suecos com 17 pesquisas semelhantes realizadas em outros países, e criaram a relação do consumo de gordura presente em laticínios e o risco de doenças cardiovasculares. O país foi escolhido por aparecer como um dos maiores consumidores mundiais de leite e derivados.

Dr. Matti Marklund, do instituto australiano e também da Escola de Saúde Pública John Hopkins Bloomberg e da Universidade de Upsala, entende que o aumento do consumo de leite e derivados no mundo requer uma melhor compreensão dos efeitos disso na saúde das pessoas. Ele acrescenta que muitos estudos convidam as pessoas a anotar a quantidade e tipo de laticínios que estão sendo consumidos, mas, é uma ação imprecisa, uma vez que, os lácteos podem estar presentes na dieta de forma indireta. 

Assim, na nova pesquisa um novo caminho foi feito, “medimos os níveis sanguíneos de certos ácidos graxos, ou ‘blocos de construção’ de gordura que são encontrados em alimentos lácteos, o que dá uma medida mais objetiva da ingestão de gordura láctea que não depende da memória ou da qualidade dos bancos de dados de alimentos”, explicou.

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A manteiga também aparece como uma aliada na saúde cardiovascular. Foto: rodeopix/Pixabay

Com isso, os pesquisadores australianos, segundo o Dr. Marklung, descobriram “que aqueles com os níveis mais altos, na verdade, tinham o risco mais baixo de doenças cardiovasculares”.

O achado se mostra bastante importante, mas o cientista entende que “precisamos de mais estudos para entender melhor o impacto total das gorduras e alimentos lácteos na saúde ”, disse.

Já a Dra. Kathy Trieu, autora principal da pesquisa e também especialista do The George Institute for Global Health, pontua que o consumo dos produtos lácteos, em especial, os produtos fermentados estão associados a benefícios para o coração. 

Assim, de acordo com a pesquisa, o consumo de queijos, iogurtes e manteiga aparece como uma atitude boa para o coração.

“Nosso estudo sugere que cortar a gordura láctea ou evitar os laticínios pode não ser a melhor escolha para a saúde do coração”, aconselha a Dra. Kathy. 

A pesquisadora ainda acrescentou: “é importante lembrar que, embora os laticínios possam ser ricos em gordura saturada, eles também são ricos em muitos outros nutrientes e podem fazer parte de uma dieta saudável”.

Palavra de Especialista

Os cientistas brasileiros também voltam esforços para entender mais os efeitos benéficos à saúde com a inclusão na dieta de alimentos que contenham a gordura do leite e derivados. A comunidade científica já comprovou que a ingestão de gordura traz benefícios para o sistema imune e para coração por ser uma fonte importante de bioativos.

Para entender mais sobre a pesquisa australiana e os benefícios do consumo da gordura presente em alimentos lácteos, conversamos com o especialista Dr. Marco Gama. Ele é pesquisador da Embrapa, doutor em Nutrição Animal pela Esalq/USP, zootecnista, coordenador do subcomitê brasileiro de nutrição e saúde da FIL-IDF.

Portal Contexto: Primeiramente, quais são as novidades reveladas pela pesquisa australiana?

Gordura do Leite
Marco Gama é Doutor em Nutrição Animal pela Esalq/USP, zootecnista, Coordenador do subcomitê brasileiro de nutrição e saúde da FIL-IDF e Pesquisador da Embrapa desde 2006.

Os resultados da pesquisa australiana se somam aos obtidos por outros importantes grupos de pesquisa sobre o tema, os quais vêm mostrando, de forma consistente, que a ingestão de produtos lácteos com teores regulares de gordura, apesar de aumentar a ingestão de gordura saturada, não eleva o risco de doenças cardiovasculares, havendo ainda um número crescentes de estudos indicando um possível efeito protetor para diabetes do tipo 2. O conjunto das evidências científicas disponíveis não suportam, portanto, as recomendações dos órgãos de saúde pública de que o consumidor deve dar preferência aos produtos lácteos com teores reduzidos ou isentos de gordura.

Por que a gordura láctea aparece como uma aliada do coração? 

Possivelmente porque a gordura láctea contém uma série de compostos bioativos com propriedades benéficas à saúde, sendo alguns destes compostos ausentes ou pouco comuns em outras fontes dietéticas, como o ácido butírico (um ácido graxo saturado de cadeia curta), o ácido rumênico (um ácido linoleico conjugado, conhecido como CLA), ácidos graxos de cadeia ímpar e ramificados (ex.: C15:0, ácido fitânico), e os fosfolipídios encontrados na membrana do glóbulo de gordura do leite. A gordura do leite apresenta uma natureza química complexa e peculiar.

Dr. Marco, ainda existe muito preconceito quando se fala na necessidade de incluir “gordura” na dieta, infelizmente, o termo se aproxima mais com algo prejudicial à saúde do que algo saudável.

O preconceito ainda existe, o que é compreensível, uma vez que por 40 anos temos ouvido das autoridades de saúde pública e da comunidade médica que a gordura saturada é prejudicial à saúde e, portanto, a ingestão de alimentos ricos em gordura saturada deveriam ser evitados, o que é o caso da gordura láctea e das gorduras de origem animal de forma geral. 

No entanto, as melhores evidências científicas disponíveis atualmente indicam que não faz mais sentido falar em gordura saturada total sem considerar os diferentes tipos de ácidos graxos saturados que compõem essa fração, os quais apresentam efeitos distintos sobre os marcadores de risco cardiometabólico. 

Além disso, há o que a ciência hoje reconhece como “efeito da matriz alimentar”, que nada mais é do que o entendimento de que a matriz alimentar (o tipo de alimento) têm grande influência sobre possíveis efeitos deletérios à saúde associados, por exemplo, à presença de gordura saturada. 

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Foto: Laker/Pexels

Em outras palavras, alimentos com o mesmo teor de gordura saturada podem ter efeitos muito distintos sobre a nossa saúde, não apenas em função dos diferentes tipos de ácidos graxos saturados presentes, mas também devido às diferenças existentes entre as matrizes alimentares. Por exemplo, a ingestão de manteiga tende a elevar a concentração de colesterol -LDL no sangue, mas isso não ocorre quando a mesma quantidade de gordura saturada é ingerida na forma de queijos. 

Essas novas descobertas já são de conhecimento da comunidade científica, e aos poucos essas informações têm chegado à população em geral por meio dos veículos de comunicação, daí a importância do trabalho que vocês fazem no Portal Contexto.

Paralelamente, é fundamental que a comunidade médica e os nutricionistas busquem se atualizar sobre o tema, pois me parece que há ainda muitos profissionais de saúde que permanecem repetindo o velho mantra: gordura saturada aumenta colesterol-LDL, que por sua vez aumenta o risco de morte por doenças cardiovasculares. Essa é certamente uma visão muito reducionista à luz da ciência moderna.

Qual seria a melhor fonte de gordura láctea?

O conjunto das evidências indica que são os produtos lácteos fermentados, como queijos e iogurtes.

Com relação às pesquisas brasileiras, existe algum novo estudo nessa área?

Sim, há diversos grupos de pesquisa no Brasil trabalhando com esse tema. Na Embrapa, onde eu trabalho, temos conduzido estudos em parceria com Universidades, nos quais temos observado que a ingestão de uma manteiga naturalmente enriquecida em CLA (obtida por meio do fornecimento de dietas específicas para as vacas) promove efeitos benéficos à saúde como, por exemplo, ação anti-inflamatória em adultos saudáveis, e melhoria da memória (estudo com modelo animal). A produção comercial de leite e produtos lácteos enriquecidos em CLA já é realidade em alguns países.

*Conteúdo produzido em parceria com o www.terraviva.com.br 

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