O tradicional bairro da Glória, última fronteira entre a Zona Sul e o Centro do Rio, vinha carente no quesito “alta gastronomia” desde o fechamento da Casa da Suíça, em 2017. Mas tudo mudou há cerca de 1 ano e meio, com a chegada do Bistrô da Casa. O empreendimento habita o casarão anexo à centenária igreja do Outeiro da Glória e tem como proposta unir sabor a uma experiência diferenciada, como a que vivenciei no último domingo.
Depois de flanar pela também tradicionalíssima (e cada vez mais bombada) feira da Glória, esperei um pouquinho na fila do Bistrô da Casa para conseguir uma mesa para três: eu, minha esposa e filha. O casarão é um lugar belíssimo e tenho ótimas lembranças de quando ele abrigava a sede do Viva Rio. Trabalhei na ONG nos idos de 2003, em um projeto de rádio, e cheguei a fazer show de abertura para uma apresentação do Lenine em um palco montado sobre a piscina. Foi muito bom ver a casa toda reformada e sendo usada novamente para um bom propósito. Além do bistrô, o local recebe eventos particulares – por enquanto suspensos em função da pandemia.
O Bistrô da Casa é dog friendly, o que ajudou a entreter um pouco minha pequena Leandra, de 1 aninho. O horário em que chegamos, por volta das 16h, foi ótimo pela temperatura mais amena (embora o ambiente seja bem ventilado) e por coincidir com a chegada do DJ, tocando só música brasileira de qualidade (couvert artístico R$ 20 p/ pessoa). Para abrir os trabalhos, experimentamos drinks autorais da casa. O meu foi o Moça Bonita, de gin Amázzoni com xarope de maracujá e gengibre, pimenta rosa, limão siciliano e água tônica prata (R$ 31). Muito saboroso, a pimenta rosa dá um toque afrodisíaco.
De entrada optamos por dividir uma salada de quinoa com abacate, tomate do vale formoso e camarões grelhados (R$ 35,90). Azeitona preta e limão completam o tempero do prato – sensacional! Perguntei para o garçom qual era o maior destaque do cardápio. Infelizmente, a frigideira de polvo já havia acabado. Minha esposa optou pelo peixe do dia com purê de palmito pupunha, chips de banana da terra, bottarga (ova de tainha) e algas (R$ 72). Eu apostei em um prato vegano, área que me causa curiosidade ultimamente.
O nhoque frito de raízes é acompanhado de cogumelos e leite de castanha do Pará (R$ 53). Os chips de raízes fazem um contraste interessante com a textura do nhoque. O prato é bem servido, embora à primeira vista a impressão seja outra, e o caldinho no fundo é extremamente saboroso. Uma questão que vale a pena levantar é a quantidade de sal. Tenho percebido em alguns restaurantes que o sal é usado como subterfúgio para alcançar um sabor acentuado. Penso que os chefs mais talentosos são aqueles capazes de conferir sabor ao prato sem exagerar no sódio, que inclusive é prejudicial em excesso.
Então, consumir um prato vegano mais puxado no sal talvez não seja tão vantajoso para a saúde. O peixe branco que provei da minha esposa também tinha uma boa quantidade, embora bastante gostoso. Já as sobremesas não nos conquistaram tanto: um “crepe suflê aberto de chocolate” (R$ 25) e o tal “bistrô lemon curd com crumble de biscoito maria” (R$ 25). Nota sete e meio para o crepe, que poderia ter mais uma bola de sorvete para ficar proporcional ao volume de massa e chocolate.
A famosa feira da Glória é uma atração à parte do bairro, aos domingos.
DICA CARIOCA
Esta semana trago uma dica cultural diferente. A palavra “flanar” apareceu ali no início da coluna, e este conceito me foi apresentado ainda nos tempos de faculdade, em leitura indicada pelo grande professor Sergio Mota. Desde então, me reconheci enquanto flâneur, apaixonado pelas ruas, pela vida pulsante e a interação das pessoas com a polis. “A alma encantadora das ruas”, de João do Rio, é um daqueles livros que marcam a gente. A poesia em seu olhar, seu amor por aquilo que normalmente está oculto à visão, o clima idílico do Rio no início do século XX – com menções a muitas das ruas que hoje testemunham novos tempos.
“Para compreender a psicologia da rua não basta gozar-lhe as delícias como se goza o calor do sol e o lirismo do luar. É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser aquele que chamamos flâneur e praticar o mais interessante dos esportes – a arte de flanar. è fatigante o exercício?”
Claro que não! O livro está disponível gratuitamente para leitura e download no Google, basta acessar este LINK.
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