5G e os celulares que imitam o acesso à tecnologia

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Orlan Almeida. Foto: Divulgação

Ontem tive uma experiência terrível. Fui até uma loja para comprar um aparelho de celular, com a nova tecnologia 5G, para a realização de um projeto que estamos realizando. Na loja da marca (que prefiro não revelar), eu disse: “Gostaria de um celular com tecnologia 5G, com o melhor custo benefício para ser usado em um evento corporativo, cujo tema é o 5G. Precisaremos de mais 15 posteriormente”. O vendedor logo se animou e nos trouxe um modelo “barato”, segundo ele. Um aparelho de cerca de R$ 1.500,00 que já na embalagem mostrava o símbolo 5G em letras garrafais. Imediatamente entrei na internet e vi as especificações técnicas, que diziam claramente: Rede: LTE (4G) e 5G. Por garantia, ainda fui até o site da Anatel e verifiquei pelo modelo do aparelho que estava claramente “homologado 5G NSA”. Certamente um usuário comum não faria nada disso, mas eu quis me certificar que o tal “aparelho barato” não fosse um embuste. 

Na prática, resolvemos comprar apenas um, informando ao vendedor que se funcionasse retornaríamos para comprar os outros 15. O próximo passo foi ir até a operadora comprar um chip 5G. Logo na entrada, o atendente nos alertou que ali no shopping não tinha sinal ainda (o que é compreensível) e depois de tudo instalado, nos dirigimos até o Parque Tecnológico de Brasília, que possui uma rede 5G plenamente funcional. 

No caminho, algo já havia me chamado atenção. O celular não encontrava nenhuma rede 5G pela cidade. Resolvi então baixar um aplicativo que fornece uma série de parâmetros sobre a rede celular, uma dessas coisas que nós engenheiros adoramos analisar. Entretanto, em nenhum momento, o celular “pegou” a rede 5G, o que nos deixou bastante frustrados. Por isso, retornamos à operadora. “Deve ter acontecido algum erro na configuração desse chip”, imaginei. Ao relatar o fato à atendente, ela disse que fez um procedimento que poderia ajudar, no entanto, estava claro para mim, que aquilo não ia funcionar. Então, tive uma ideia: retornar ao fabricante para tentar desvendar o mistério. Chegando lá, a experiência inicial foi terrível! Um técnico logo pegou o aparelho e disse que “ativou” os dados do chip. Bom, eu tenho duas décadas de experiência com Telecomunicações e Eletrônica e aquilo para mim me pareceu algo que minha professora de Circuitos Elétricos falava o tempo todo: “gato”. 

Sem enaltecer marca X ou Y, preciso dizer que com o fabricante do meu celular pessoal, o procedimento é completamente diferente. Se você chega na loja informando que o aparelho não funciona, eles simplesmente trocam. Mal perguntam seu nome. Infelizmente com aquela marca tão famosa, que fabrica também eletrodomésticos e TVs, não era bem assim. 

De repente, estavam todos os vendedores, a gerente, o técnico e até a menina que atende o telefone falando sobre como o 5G não pega em todo lugar, que tem que ver a “frequência” do aparelho e outras bobagens do gênero. Até então, não tinha falado a ninguém que tinha “certa” experiência no assunto. Mas aí veio a derrota definitiva no atendimento: “O celular funciona. Não podemos devolver a compra”. Aqui, poderíamos falar sobre inúmeros outros temas relacionados à experiência do cliente, vendas etc… Mas, vou deixar para vocês imaginarem uma forma de chegar a esses fabricantes para um treinamento dessa natureza. 

Seguindo com o fato, me irritei e disse em tom mais austero: “Se o aparelho realmente funciona, vamos lá fora onde tem sinal 5G para ver se funciona mesmo! ” Curiosamente, um vendedor que estava por lá se prontificou a ir comigo na parte externa do shopping. No exato momento em que chegamos o Celular Dele (que era de outro modelo) “pegou” o 5G instantaneamente, o que não aconteceu com o celular que eu tinha acabado de comprar. 

Daí fizemos o óbvio. Colocamos o chip dele no aparelho que eu tinha comprado e após uns 10 minutos, girando o celular para lá e para cá (lembra da época do Bombril nas TVs analógicas?), o símbolo 5G apareceu por três segundos na tela e depois caiu de novo. Nesse momento, ele olhou para mim meio desconcertado, porém assertivo na seguinte afirmação: “Era isso que eu queria mostrar para o Senhor:  existe o 5G, mas ele não funciona bem nos ‘aparelhos de entrada’. Não tem como comparar um top de linha como o meu, com um aparelho desses”. 

Vamos tentar entender o fato: o mercado brasileiro está cheio de fabricantes que colocam produtos nas prateleiras que simplesmente não cumprem sua função! É o ar-condicionado que não esfria, o secador que não seca… e por aí vai. O usuário se encontra em uma situação em que, sem qualquer conhecimento técnico, fica totalmente à mercê dos “especialistas de plantão”. Um aparelho como esses é um desrespeito ao consumidor, um desastre para a engenharia (à qual faço parte) e um total descaso com as pessoas que, por não terem 3 ou 4 mil reais para acessar uma tecnologia emergente, são deliberadamente enganadas com um produto de segunda linha, carinhosamente apelidado como “de entrada”! 

É como se você comprasse um carro que só ligasse às vezes, ou um chuveiro que só esquentasse às vezes, ou usasse um remédio que só funcionasse às vezes. No entanto, quando a Anatel homologa um produto, não existe uma linha no certificado explicando que ele só funciona (às vezes). Não estou aqui criticando o trabalho da Agência Reguladora, pelo contrário, eu mesmo já homologuei vários produtos com eles e posso garantir que seguem um padrão internacional de segurança. Contudo, alguns fabricantes de celular, deliberadamente, preparam o aparelho para passar na homologação, mas quando fornecem o modelo ao consumidor final, trazem esses dissabores. 

A tecnologia 5G funciona? Sim. Então, antes de falar mal da sua operadora, lembre-se que entre você e o seu acesso à Internet existe uma série de fornecedores de celular e outros serviços que nem sempre cumprem com o combinado. Parece que eles esqueceram que não vivemos mais na era em que um produto era entregue ao consumidor e ali se encerrava sua relação com o fabricante. 

Eu acho uma total falta de ética, por parte de uma multinacional, criar um aparelho tão inferior só para dar o “gostinho”, ao usuário de menor poder aquisitivo, de uma tecnologia em ascensão que, quando questiona o mal funcionamento, recebe a informação de “que é assim mesmo”. Bom, eu tenho uma novidade: não é não! 

Eu digo e reafirmo sempre: #tecnologiatransforma. Porém, episódios como esses criam uma legião de pessoas falando mal dela, sem que ela (a tecnologia) tenha qualquer chance de se defender. São pessoas falando mal de algo que simplesmente não tiveram acesso. É como se você quisesse limpar uma mancha no seu rosto, passando a mão no seu reflexo do espelho… Definitivamente, isso nunca vai funcionar. 


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