A Pilastra: galeria underground do Guará une arte, território e mulheres na linha de frente

Espaço cultural do DF recebe, em agosto, a exposição de fotografia analógica “Os filhotes aprendem a nadar”, de Ana Luiza Meneses

Localizada no Guará, região administrativa do Distrito Federal, a galeria A Pilastra vem se consolidando como um dos principais pontos de potência artística do DF. Gerida por mulheres, a galeria aposta na mistura de linguagens – artes visuais, música, apresentações, oficinas e rodas de conversa – para movimentar o circuito independente da cidade, com forte conexão com o território e compromisso com a descentralização da cultura.

A Pilastra funciona como um ecossistema de arte transdisciplinar, voltado à formação, à profissionalização e à inserção de jovens artistas no mercado de trabalho. Com foco em corpos dissidentes, periféricos e não herdeiros, a galeria tem apostado na arte-educação como ferramenta de transformação social.

“Nos posicionamos como uma galeria-escola. Um ecossistema de arte transdisciplinar que prioriza processos colaborativos, formação crítica e curadorias que rompem com lógicas hegemônicas do circuito institucional”, explica Geovanna Belizze, produtora de comunicação da galeria. “Ao inserir corpos dissidentes e periféricos como protagonistas das narrativas artísticas, construímos exposições, residências e ações formativas comprometidas com a diversidade, a escuta e a liberdade criativa.”

A atuação da Pilastra vai de exibições, cursos e mentorias à prestação de serviços culturais – tudo isso enquanto impulsiona inovação e pesquisa no campo das artes. “Manter a Pilastra no Guará é, por si só, um gesto político em um DF ainda marcado pela concentração de recursos e visibilidade no Plano Piloto. Resistimos com práticas colaborativas e reforçamos diariamente o protagonismo periférico”, completa Geovanna.

É nesse ambiente que estreia, no dia 21 de agosto, a exposição “Os filhotes aprendem a nadar”, novo trabalho da fotógrafa e realizadora audiovisual Ana Luiza Meneses, que apresenta uma série de fotografias e instalação artística produzidas em película fotográfica.

“Receber essa exposição reforça nossa missão de fortalecer trajetórias autorais enraizadas no território. O retorno de Ana Luiza ao Guará com uma proposta sensível e potente reafirma o papel da Pilastra como espaço de memória, afeto e reconhecimento”, finaliza Geovanna.

A mostra é a primeira exposição individual dedicada exclusivamente ao processo analógico – linguagem com a qual Ana tem se conectado há mais de uma década, muito antes do atual ressurgimento do grão como tendência. A exposição tem patrocínio do Fundo de Apoio à Cultura da Secretaria de Cultura e Economia do Distrito Federal. “Ganhei o edital na linha regionalizada e era exatamente o que queria: fazer arte na QE 40 do Guará, onde nasci, moro e me inspiro. É um lugar que, com toda sua estética e suas contradições, molda minha identidade artística”, diz Ana.

“Os filhotes aprendem a nadar”: corpo, memória e grão

Com curadoria dos também fotógrafos Elisa Freitas e Silvino Mendonça, a exposição traz duas salas com fotografias analógicas e uma última com uma instalação em Super 8. As obras cruzam corpo, casa e território, evocando rastros de uma memória que se transforma para não desaparecer. A obra se inspira em artistas como Nan Goldin, Sophie Calle e Pixy Liao e no autorretrato expandido e no corpo performático.

“Fotografar em película é uma forma romântica de tentar capturar o tempo, porque a luz literalmente toca e desenha a matéria, o negativo. Por exemplo, fotografar minha mãe e só ter revelado o filme depois que ela morreu. Eu deixei o filme guardado por muitos meses, sem coragem de revelar. Quando finalmente olhei as fotos, foi um choque, porque mesmo sem fotômetro estavam perfeitas, é quase espiritual o negócio”, afirma Ana.

Fundadora da produtora Avera Filmes, Ana Luiza, na verdade, é nativa do cinema, dirigiu os curtas Malu e a Máquina (2023), Espuma dos Dias (2020), Os Anos 3000 Eram Feitos de Lixo (2016), além de ser diretora de fotografia freelancer. O amor pela fotografia começou em 2013 no curso de audiovisual, quando o acesso ao analógico era mais escasso, o conhecimento técnico muitas vezes fechado em círculos restritos, e a Internet não era a mesma de hoje.

“A fotografia analógica não era nada acessível quando comecei e ainda hoje não é.  Ser uma mulher com uma câmera não é fácil em nenhum lugar. A teimosia e a contestação que me fazem seguir. Eu quis aprender, partilhar e ainda hoje é sobre como criar brechas num lugar extremamente elitizado e masculino. Mas o desafio atual mudou um pouco, não é mais só sobre como uma menina começar, mas sim como conseguir me manter. Os insumos para a fotografia analógica se tornaram muito caros nesses 12 anos que mexo com isso”, conta.

Com “Os filhotes aprendem a nadar”, Ana Luiza Meneses entrega um trabalho amadurecido, e dialoga com tendências contemporâneas universais, mas que conserva ainda uma forte rebeldia do “faça você mesmo”. As obras se tornam mais uma colaboração a corrente de valorização do gesto artístico como linguagem, não é só sobre o resultado, é sobre a intenção poética que move a criação. Um gesto poético de afirmação de linguagem e de território – com os pés no chão, o olhar no cotidiano e o coração no grão do filme.