Este assunto se torna importante, neste momento, porque nossas batalhas diárias, sejam as lutas de bases orgânicas ou mesmo aquelas de fundo eminentemente emocional nos fazem ver e sentir o mundo de uma maneira que muitas vezes se revela equivocada.
“Pré-conceito”
Temos a mania de criar diagnósticos e rótulos e, a partir deles, ficamos estagnados nestes conceitos pré-estabelecidos.
Costumo dizer que quando fazemos esse processo de rotulagem, também criamos uma defesa, pois nos permite aderir a um suposto fatalismo que, em um limite, nos permite dizer que por conta de nossa natureza, nada pode ser feito em sentido contrário.
O outro que lide com suas questões e se não estiver satisfeito, que busque uma forma de adaptar-se. Isso permite que a pessoa culpe não a si mesma, mas a todo um sistema que lhe envolve e supostamente a vitimiza.
A grande dificuldade dos dias de hoje é que precisamos compreender estas tendências e influências comportamentais, mas considero mais proveitoso e, até mais transformador em muitos casos, examinar os modelos de comportamento pelas lentes da vulnerabilidade.
É ego ou medo?
A psicanálise por exemplo nos revela que o narcisismo, sob esse ponto de vista, é na verdade um medo de ser humilhado, ou pior, de passar pela humilhação de ser alguém comum em uma sociedade que prima pela excelência e pelo destaque.
Isso faz com que a pessoa não consiga perceber seu problema de fundo e acabe se lançando em um discurso de pretenso sucesso, tal como a maioria faz. Aliás nossa sociedade sempre cultua as celebridade e as mídias sociais sem controle acabam por absorver a mensagem: “seja sucesso que será destacado” e isso se desdobra em “likes” e compartilhamentos.
Lente de aumento
A vontade de acreditar que o que estamos fazendo tem importância é facilmente confundida com o estímulo para sermos extraordinários. É sedutor usar o parâmetro do culto à celebridade para medir a significância ou insignificância de nossas vidas.
As ideias de grandeza e a necessidade de admiração parecem um bálsamo para aliviar a dor de sermos tão comuns e inadequados. Apesar de nossas redes sociais supostamente nos aproximar do outro, temos que no final das contas elas revelem mais dor e causem um profundo isolamento.
Certamente existem situações em que um diagnóstico pode ser necessário para que o tratamento correto seja encontrado, mas todo mundo também pode ser beneficiado pela abordagem dos conflitos através das lentes da vulnerabilidade. Sempre é possível aprender alguma coisa quando consideramos as questões a seguir:
- Quais são as mensagens e as expectativas que definem a sociedade em que vivemos? Como a cultura social influencia nossos comportamentos?
- De que maneira as dificuldades que enfrentamos produzem comportamentos cujo objetivo principal é nos proteger?
- Como nossos comportamentos, pensamentos e emoções estão relacionados à vulnerabilidade e à necessidade de um forte sentido de valorização?
Voltando à problemática anterior, sobre estarmos ou não cercados de pessoas com transtorno de personalidade narcisista, acredito que exista uma poderosa influência social em ação, agora mesmo – e que o medo de ser comum faça parte dela –, mas tenho certeza de que a resposta está em uma camada mais profunda. Para encontrar a fonte, devemos passar longe da linguagem abusiva e estigmatizante.
Se ampliarmos a perspectiva, a visão muda. Sem perder de vista os problemas, em discussão, podemos enxergá-los como parte de um quadro maior. Isso nos permite identificar perfeitamente a maior influência cultural de nossa época – o contexto capaz de explicar o que todos reconhecem como uma epidemia de narcisismo.
Conheça a ti mesmo!
Além disso, tal contexto nos proporciona uma visão panorâmica das ideologias, dos comportamentos e dos sentimentos que estão transformando lentamente quem nós somos e a maneira como vivemos, relacionamos, trabalhamos, lideramos, cuidamos dos filhos, governamos, ensinamos e nos conectamos uns com os outros. Esse contexto a que me refiro é a nossa cultura da escassez.
Entender essa dinâmica, seja de modo sozinho ou com a ajuda de um profissional da saúde mental, terá como consequência a harmonização do indivíduo com ele mesmo, e dessa, forma fará com que a vida em sociedade se torne mais fácil e os sentimentos envolvidos certamente irão se tornar mais palatáveis.
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