
O Mato Grosso e toda a região Centro-Oeste passam por um momento econômico promissor, impulsionado principalmente pelo agronegócio, setor que continua a mover a economia brasileira. Os indicadores reforçam esse cenário: o estado registra previsão de crescimento do PIB de 5,8% em 2025, produção recorde de soja com alta de 24,6%, expansão industrial com PIB setorial de 6,7% e crescimento de 3,4% no mercado de serviços. Essa dinâmica econômica, somada a incentivos fiscais como o Prodeic e políticas públicas voltadas para industrialização e empreendedorismo, consolida uma economia diversificada e integrada, com destaque para a agroindústria e a cadeia logística.
No entanto, esse crescimento acelerado traz consigo desafios significativos, especialmente na área de capital humano. Com mais de 25 mil novas vagas formais geradas apenas no primeiro trimestre e uma taxa de desemprego em apenas 3,5%, a escassez de mão de obra qualificada começa a pressionar empresas de diversos setores. Carlos Ornellas, sócio da EXEC, consultoria especializada em recrutamento e desenvolvimento de executivos, ressalta que o crescimento sustentável do Mato Grosso dependerá cada vez mais da gestão de pessoas, da qualificação de lideranças e da evolução das estruturas de governança, principalmente em empresas familiares, que têm grande peso na economia regional.
Segundo ele, enquanto áreas técnicas e operacionais já enfrentam dificuldades para preencher vagas, funções estratégicas ligadas a inovação, ESG, digitalização e governança demandam perfis ainda raros no mercado local. Esse cenário reflete um momento de transição no estado, que vê sua vocação agroindustrial se fortalecer, mas também impulsiona a expansão de outros setores, aumentando a necessidade de profissionais com diferentes habilidades e experiências.
Nos últimos anos, a região Centro-Oeste tem recebido investimentos significativos, não apenas para aumentar a produtividade, mas também para melhorar a infraestrutura e as condições de trabalho. Entre os projetos em andamento estão a expansão da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico), avanços em tecnologia com automação, monitoramento remoto e inteligência artificial, além de parcerias com universidades para ampliar a oferta de cursos voltados ao agronegócio. Iniciativas sustentáveis, como agricultura regenerativa e uso eficiente de recursos naturais, também ganham força, impulsionadas por grandes empresas do setor. Esses investimentos devem gerar efeitos positivos em cadeia, beneficiando outros segmentos da economia local, como eventos, alimentação e serviços.
Desafios do mercado: especialista comenta os principais
Carlos Ornellas atua na região e acompanha de perto a dinâmica local. A seguir, ele faz uma análise sobre os principais desafios enfrentados na região, sob a ótica do capital humano.
Necessidade de buscar profissionais de fora da região e adaptação
Regiões como o Sudoeste do Mato Grosso apresentam uma taxa de desocupação no mercado de trabalho de apenas 1,8%, enquanto o entorno de Cuiabá atinge 8,5%. No entanto, encontrar profissionais para essas vagas nem sempre é algo fácil, o que, segundo ele, leva as empresas frequentemente contratarem gestores de fora. “A concentração de oportunidades em grandes centros urbanos, como São Paulo, leva muitos jovens a deixarem o Centro-Oeste em busca de melhores condições de vida e desenvolvimento profissional. Essa migração reduz a disponibilidade de talentos locais, agravando a dificuldade em preencher posições gerenciais”, ressalta.
Outro ponto destacado por ele é que, ao encontrar o executivo para a vaga, muitas vezes o executivo e a família enfrentam dificuldades de adaptação com a nova vida por conta da diversidade cultural, o que faz muitos deles permanecerem por curtos períodos antes de retornarem aos grandes centros. “A diferença no estilo de vida entre grandes e cidades menores pode representar um desafio importante para a integração dos profissionais. Além disso, as dificuldades de adaptação enfrentadas por seus familiares podem levar esses executivos a deixarem os cargos. Essa situação é relativamente comum e acaba gerando custos adicionais para as empresas devido ao aumento do turnover nessas posições”, destaca.
De acordo com Ornellas, fazer uma leitura granular do território é essencial para definir estratégias eficazes de atração, retenção de talentos e mobilidade. Essa análise cuidadosa do contexto local permite às empresas adotar uma abordagem realmente abrangente, que vá muito além do recrutamento pontual e leve em conta os desafios e oportunidades específicos de cada região.
Um dos primeiros passos para isso é investir em programas de recrutamento e seleção bem estruturados. Isso envolve mapear de forma proativa talentos locais e nacionais, criar bancos de currículos regionais e utilizar ferramentas de hunting e assessment para garantir o alinhamento técnico e cultural dos candidatos. Além disso, é fundamental fortalecer a proposta de valor ao colaborador (EVP), destacando os diferenciais de se trabalhar na região e na empresa, e oferecer processos de onboarding personalizados, que facilitem a integração cultural e social dos novos profissionais.
Outro ponto essencial destacado por Ornellas diz respeito às iniciativas internas que avaliem e incentivem a mobilidade de executivos para essas regiões. Isso inclui identificar talentos com potencial de mobilidade e desenvolver planos de sucessão regionais. Para viabilizar essas mudanças, é importante estruturar pacotes de realocação que contemplem o apoio à família, além de criar programas de intercâmbio entre unidades para que os profissionais conheçam diferentes operações e culturas locais. Políticas claras de incentivo, aliadas a suporte psicológico e social, são fundamentais para garantir uma adaptação mais tranquila ao novo contexto.
Além disso, para que a mobilidade seja realmente atrativa e sustentável, as empresas precisam oferecer benefícios competitivos que reduzam as barreiras à mudança e minimizem o turnover. Isso passa por pacotes de remuneração diferenciados, considerando o custo de vida e os desafios específicos de cada localidade, bem como auxílio-moradia e apoio à educação.
Falta de capacitação de profissionais
Apesar de o agronegócio ser o motor econômico do Centro-Oeste, a oferta de cursos superiores e técnicos especializados na região nem sempre acompanha as demandas específicas do setor. Segundo dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), apenas cerca de 20% dos trabalhadores do agronegócio possuem qualificação formal. “Instituições de ensino locais frequentemente carecem de programas voltados à gestão no agronegócio, resultando em uma lacuna na formação de lideranças”, enfatiza.
Além disso, as próprias empresas do setor enfrentam entraves em relação ao investimento em treinamento e capacitação contínua. Um estudo do Serviço Nacional de Aprendizado Rural (SENAR) revelou que apenas 15% das empresas do agronegócio na região destinam recursos regulares para a formação de seus quadros gerenciais, limitando a capacidade de desenvolvimento interno.
Desenvolvimento de competências técnicas além do campo
Com a entrada acelerada de tecnologias no campo, na indústria e nos serviços, cresce a urgência por programas consistentes de capacitação não somente técnica, mas também comportamental, de acordo com Ornellas.
Segundo o sócio da EXEC, o mercado de trabalho na região hoje necessita profissionais que reúnam experiência prática no campo com hard skills mais avançadas. São valorizados conhecimentos robustos em tecnologia, tratamento de dados, inteligência artificial e um nível elevado de inglês. Além disso, destaca-se a importância das soft skills, especialmente aquelas relacionadas à gestão de pessoas e à capacidade de liderar processos de transformação. Essa necessidade se intensifica porque muitas empresas da região são familiares e estão passando por mudanças estruturais em seu modelo de gestão, nos negócios e na cultura organizacional.
Governança corporativa, sucessão e profissionalização da liderança
As empresas familiares, em grande parte, são responsáveis pelo avanço econômico do estado, e enfrentam um momento crucial de transição geracional e estruturação de conselhos, modelos de gestão e processos de tomada de decisão. Segundo Ornellas, a adoção de boas práticas de governança, além de um processo de sucessão planejada e formação de conselhos consultivos ou administrativos são fundamentais para atrair capital, talentos e perenizar os negócios – familiares ou não.
O sócio da EXEC ressalta que as segundas e terceiras gerações dessas empresas chegam ao comando com uma mentalidade diferente de gestão em relação aos seus fundadores. “Trazem novas ideias e são adeptos a constituir uma governança diferente, distinguindo o que é patrimônio empresarial e pessoal, além de definir regras claras para quem vai entrar nos negócios das famílias. Muitas empresas têm buscado criar conselhos consultivos, iniciativa que a EXEC tem apoiado de forma bastante ativa na região, ajudando a estruturar esses fóruns de maneira estratégica. Além disso, a EXEC também realiza avaliações de efetividade em conselhos já existentes, contribuindo para o aprimoramento de sua governança.
União de forças
O sócio da EXEC destaca ainda que, embora a contratação de profissionais oriundos de grandes capitais possa trazer vantagens em termos de inovação e conhecimento técnico, é fundamental que as empresas invistam em políticas eficazes de integração cultural e retenção, além de priorizarem o desenvolvimento da mão de obra local. “Com um planejamento adequado e ações coordenadas entre o setor privado, instituições de ensino e governos, o Centro-Oeste tem plenas condições de se consolidar como referência global em excelência agroindustrial e gestão no campo.”
Ornellas afirma que o ciclo de crescimento do estado do Mato Grosso é uma janela estratégica, porém não infinita. “ A construção de uma economia resiliente e competitiva exigirá, mais do que força produtiva, mas também boas doses de liderança, governança e inteligência na gestão de pessoas. Estamos acompanhando de perto esse movimento, apoiando empresas que querem transformar esse momento em legado, com foco em recrutamento e desenvolvimento de executivos, estruturação organizacional e evolução da governança a partir de soluções para o conselho”, conclui.