
Mais da metade dos pais e responsáveis no Brasil enfrenta dificuldade para acompanhar o que crianças e adolescentes fazem na internet. É o que revela o relatório “Redes de Proteção: Desafios e práticas na mediação digital de crianças e adolescentes”, lançado pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio) e pela organização Redes Cordiais. O estudo, realizado com 327 responsáveis e três grupos focais em diferentes contextos urbanos, mostra que 60% dos participantes consideram “difícil” ou “muito difícil” acompanhar a vida digital dos filhos.
A pesquisa revela um abismo digital nas práticas de mediação parental, com diferenças marcantes relacionadas a renda, escolaridade e acesso à tecnologia. As dificuldades vão desde barreiras técnicas até falta de tempo e de conhecimento sobre as ferramentas disponíveis. A desigualdade social tem um papel central: famílias com maior escolaridade e filhos em escolas privadas tendem a adotar mais recursos tecnológicos de controle, enquanto as de baixa renda enfrentam entraves práticos e menor familiaridade com o uso dessas tecnologias. Entre os responsáveis com renda de até um salário mínimo, mais da metade nunca utilizou aplicativos de controle parental, e apenas 7,7% o fazem regularmente.
Apesar da crescente oferta de mecanismos de monitoramento nas próprias plataformas digitais, o levantamento mostra que 43% dos pais nunca recorreram a ferramentas digitais para acompanhar seus filhos. A maioria ainda confia em métodos tradicionais: 71% limitam o tempo de uso de celulares, 70% incentivam atividades offline e 64% mantêm conversas sobre segurança e comportamento online. A supervisão direta continua sendo a forma mais comum de acompanhamento, especialmente em lares com menos acesso a recursos tecnológicos. Muitos pais relatam que preferem manter os aparelhos em áreas comuns da casa para observar o uso de forma espontânea.
Outro achado do relatório é o baixo nível de conhecimento sobre o caráter social dos jogos e plataformas digitais. Muitos responsáveis desconhecem que ambientes como Roblox, Free Fire e Discord funcionam como verdadeiras redes sociais, com chats e interações constantes entre usuários. Essa falta de compreensão pode aumentar os riscos de exposição a desconhecidos e de práticas como o cyberbullying, apontado por 41% dos pais como uma de suas maiores preocupações. A exposição a conteúdos inadequados, como violência, pornografia e desafios perigosos, lidera as angústias, sendo citada por 86% dos entrevistados, seguida pela preocupação com a saúde mental (82%) e pelo uso excessivo de telas (66%).
O relatório também revela que, em famílias com guarda compartilhada, as diferenças de regras entre lares tornam a mediação digital ainda mais desafiadora. A falta de alinhamento entre os responsáveis gera conflitos e fragiliza a consistência das orientações dadas às crianças e adolescentes. Além disso, 60% dos pais afirmam que os filhos já tentaram ou conseguiram burlar senhas e controles de tempo, o que reforça a necessidade de estratégias baseadas em diálogo e confiança.
Os dados reforçam que o desafio não está em proibir, mas em construir relações de confiança e preparar os adultos para acompanhar o mundo digital de forma efetiva. Clara Becker, diretora executiva das Redes Cordiais, afirma que o desafio é construir um espaço de confiança e diálogo na família para um uso equilibrado e que não coloque crianças e adolescentes em risco. Ela explica que o projeto Redes de Proteção nasceu da necessidade de oferecer ferramentas práticas e de acolhimento para pais, mães e responsáveis.
Celina Bottino, diretora do ITS Rio, destaca que o projeto foi pensado como uma ponte entre pesquisa e ação social. Ela ressalta que proteger crianças e adolescentes na internet é uma tarefa coletiva que envolve famílias, escolas, plataformas e o poder público, e que o relatório é um retrato honesto e necessário do que significa educar na era digital.
O relatório aponta ainda que 59% dos pais e responsáveis gostariam de ter acesso a tutoriais e orientações práticas sobre ferramentas de controle parental, o que indica uma demanda clara por capacitação. Para os pesquisadores, famílias, escolas, plataformas e governo precisam atuar de forma articulada para fortalecer a educação digital e reduzir as desigualdades que limitam a proteção online.
O estudo foi realizado em julho de 2025 e integra o projeto Redes de Proteção, uma iniciativa do ITS Rio e das Redes Cordiais voltada à promoção de um ambiente digital mais seguro para crianças e adolescentes.