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IMPORTÂNCIA DOS LÁCTEOS PROBIÓTICOS NA IMUNIDADE

Autores:

Adriana Torres Silva Alves (Pesquisadora do Tecnolat/ITAL/SAA e membro do subcomitê de nutrição e saúde da FIL-IDF)

Leila Maria Spadoti (Pesquisadora do Tecnolat/ITAL/SAA e membro do subcomitê de Ciência e Tecnologia da FIL-IDF)

Marco Antônio Sundfeld da Gama (Pesquisador da Embrapa Gado de Leite e coordenador do subcomitê de nutrição e saúde da FIL-IDF)

 

Os probióticos são definidos como microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem efeitos benéficos ao hospedeiro, ao passo que os prebióticos são ingredientes (ex.: fibras solúveis) que estimulam o crescimento e/ou função dos microrganismos intestinais benéficos. Atualmente, os produtos lácteos são os principais veículos para os probióticos na dieta humana.

A ideia de que as bactérias presentes no intestino podem desempenhar um papel importante na saúde humana foi proposta pela primeira vez por Elie Metchnikoff, há mais de um século. Ao observar que uma determinada população rural da Europa Oriental, cuja alimentação baseava-se no consumo de leite fermentado, tinha vida extraordinariamente longa, Metchnikoff propôs que bactérias “boas” produtoras de ácido lático seriam benéficas para o hospedeiro, reduzindo o crescimento e a produção de compostos tóxicos por outras bactérias presentes no cólon contribuindo, assim, para a manutenção da homeostase (saúde intestinal) no hospedeiro. Metchnikoff isolou o Bacillus bulgaricus e promoveu seu uso como terapia para manter a homeostase e prevenir o envelhecimento, popularizando o iogurte como produto lácteo fermentado.

Os probióticos, prebióticos e simbióticos (associação dos dois primeiros) são atualmente explorados comercialmente para diversas finalidades terapêuticas e em diferentes produtos lácteos, o que é facilitado por sua segurança e facilidade de uso.

É importante notar que os benefícios de se modular a microbiota intestinal se estendem a outros sistemas no hospedeiro. A elucidação dos mecanismos pelos quais probióticos, prebióticos e simbióticos conferem benefícios ao hospedeiro possibilita uma melhor utilização dos mesmos na prevenção ou tratamento de inúmeras doenças que acometem os seres humanos.

Há fortes evidências de que a resposta imunológica esteja intimamente conectada à composição da nossa microbiota intestinal, que hospeda aproximadamente 1013-1014 bactérias. No entanto, prebióticos e probióticos são termos genéricos, havendo diferentes fontes prebióticas e diferentes gêneros, espécies ou mesmo cepas de probióticos, que por sua vez podem ter diferentes efeitos sobre o sistema imunológico. Inúmeras evidências sugerem que os probióticos exercem papel imunomodulador por meio de sua interação com células do epitélio intestinal e células dendríticas no trato gastrointestinal.

O tecido linfóide associado ao intestino é o maior do corpo humano, e o número de linfócitos da mucosa intestinal superam em muito os da medula óssea. Grandes quantidades de antígenos passam pelo intestino diariamente, tornando a mucosa intestinal o principal local de contato dos linfócitos com antígenos em todo o corpo. Além disso, aproximadamente 100 trilhões de bactérias estão presentes no nosso trato gastrointestinal. Essa comunidade microbiana intestinal extremamente diversa, denominada microbiota, coevoluiu em uma relação simbiótica com a mucosa intestinal humana, de maneira que a microbiota indígena (nativa) é essencial para a homeostase intestinal. A microbiota é, portanto, considerada um “superorganismo” que é parte integrante do trato gastrointestinal.

Além disso, a microbiota intestinal é semelhante a uma salvaguarda de nossa saúde, porque a microbiota compete (por espaço e nutrientes) com potenciais patógenos e induz a secreção de peptídeos antimicrobianos por meio da interação com o epitélio intestinal. A microbiota intestinal também pode estimular a diferenciação e proliferação de células epiteliais, que regulam a homeostase intestinal. As contribuições da microbiota intestinal para o desenvolvimento do sistema imunológico têm sido extensivamente caracterizadas. Há uma “conversa” cruzada coordenada entre a microbiota intestinal e o sistema imunológico, permitindo que o hospedeiro tolere a grande quantidade de antígenos presentes no intestino. Um desequilíbrio na composição da microbiota intestinal (disbiose) está associada não somente a distúrbios gastrointestinais, mas também a inúmeras doenças como alergias alimentares, doenças autoimunes e doenças crônicas não transmissíveis (ex.: diabetes, obesidade, etc.).

Os efeitos positivos dos prebióticos e probióticos na saúde humana têm sido frequentemente atribuídos à sua capacidade de imunomodulação indireta e direta, embora outros mecanismos de ação tenham também sido propostos, como a modulação de metabolismo celular, funções ou proliferação da barreira epitelial.

Estudos clínicos controlados mostraram que a adição de L. acidophilus e bifidobactérias em um produto lácteo fermentado resultou em elevações da IgA total e nos níveis de IgA específicos para Salmonella enterica subsp. enterica serovar Typhi.

Probióticos podem promover efeitos imunomoduladores por meio de interações diretas com o epitélio intestinal, especialmente no intestino delgado, que é menos densamente povoado pela microbiota comensal. Por outro lado, efeitos imunomoduladores dos probióticos no cólon têm maior probabilidade de ocorrer via modulação da composição da microbiota

Várias moléculas efetoras (“effector molecules”) probióticas envolvidas em interações imunes foram identificadas, incluindo componentes da parede celular bacteriana como peptidoglicanos e ácido lipoteicóico, além de proteínas específicas. Para algumas destas moléculas efetoras, seus modos de ação nas respostas imunes do hospedeiro foram descritos e envolvem a modulação de várias cascatas de sinalização de receptores que apresentam papel proeminente na regulação do sistema imunológico.

Atualmente, está bem estabelecido que proteínas da superfície celular, ácido lipoteicóico, muropeptídeos derivados de peptidoglicano, exopolissacarídeos e estruturas do tipo pili exercem respostas imunológicas em uma variedade de células do sistema imune, incluindo macrófagos e linfócitos.

Estudos recentes em humanos saudáveis mediram mudanças no perfil de transcrição de genes para determinar as respostas moleculares que ocorrem na mucosa duodenal após o consumo de probiótico Lactobacillus spp. Esses estudos nutrigenômicos mostraram que as respostas nas mucosas a diferentes lactobacilos são profundamente diferentes, ilustrando a especificidade das respostas do hospedeiro a diferentes estirpes e/ou espécies bacterianas. Esses estudos suportam a ideia de que que linhagens e espécies especificas de lactobacilos probióticos apresentam efeitos imunomuduladores distintos.

Os probióticos também podem apresentar efeitos imunomoduladores indiretos como, por exemplo, inibindo a colonização da mucosa intestinal por microrganismos patogênicos e induzindo a liberação de peptídeos antimicrobianos.

Tanto a diversidade quanto a abundância microbiana no intestino são importantes para a manutenção da saúde humana. A microbiota intestinal desempenha um papel importante na resistência a patógenos, tanto por interação direta com bactérias patogênicas, como por meio de modulação do sistema imunológico. As bactérias comensais que residem no intestino são diversas e, em certos casos, espécies individuais parecem ter papéis distintos e opostos na resposta imune do intestino.

Está bem definido que certas espécies da microbiota intestinal são necessárias para a regulação da resposta imune, e que perturbações na microbiota podem resultar em alterada resposta imunológica, crescimento de microrganismos patogênicos e promoção de inflamação.

O rápido crescimento das técnicas de metagenômica tem contribuído para uma melhor compreensão do papel de microrganismos específicos e da diversidade da microbiota no desenvolvimento de diversas doenças. O conhecimento obtido poderá ajudar no desenvolvimento de terapias focadas nos efeitos específicos de diferentes probióticos e prebióticos na microbiota intestinal.

Um grande desafio para entender o impacto funcional das comunidades microbianas na saúde e na doença é a heterogeneidade dessas comunidades e o fato de que sua composição pode ser influenciada por vários fatores, incluindo a genética do hospedeiro, nutrição, tratamento com antibióticos, infecções e colonização microbiana no período neonatal. No entanto, parece claro que certas espécies de bactérias podem ter efeitos pronunciados no sistema imunológico do intestino, e que o equilíbrio dessas influências é importante para a manutenção da homeostase e para o desenvolvimento de novas estratégias de prevenção ou tratamento de doenças crônicas. A ingestão de probióticos e prebióticos constituem, portanto, uma estratégia eficaz para manipular a composição da microbiota intestinal e modular positivamente a resposta imunológica do hospedeiro. A veiculação dos probióticos e prebióticos em produtos lácteos incorpora, adicionalmente, os já conhecidos benefícios dos lácteos na nutrição e na saúde humana.

 

REFERÊNCIAS

KAMADA, N.; CHEN, G. Y.; INOHARA, N.; NUNEZ, G. Control of pathogens and patho-biontsby the gut microbiota. Nature Immunology, 14, 685-690, 2013.

KLAENHAMMER, T.R.; KLEEREBEZEM, m.KOPP, M.V.; RESCIGNO, M.The impact of probiotics and prebiotics on the immune system. Nature Rewiews, 12, 728-34, 2012.

PODOLSKY, S. Cultural divergence: Elie Metchnikoff’s Bacillus bulgaricus therapy and his underlying concept of health. Bull. Hist. Med., 72, 1-27, 1998.

REGO, R.A. et al. Brasil Dairy Trends 2020. Campinas:ITAL, 2017. 343p.

VIEIRA, A.T.; TEIXEIRA, M.M.; MARTINS, F.S. The role of probiotics and prebiotics in inducing gut immunity. Frontiers in Immunology, v.4, n.445, p.1-12, 2013.

ZHANG, C.; WANG, H.; CHEN, T. Interactions between Intestinal Microflora/Probiotics and the Immune System. Bio. Med. Research International, 2019.  https://doi.org/10.1155/2019/6764919.

 

 

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