Depois de flanar pela também tradicionalíssima (e cada vez mais bombada) feira da Glória, esperei um pouquinho na fila do Bistrô da Casa para conseguir uma mesa para três: eu, minha esposa e filha. O casarão é um lugar belíssimo e tenho ótimas lembranças de quando ele abrigava a sede do Viva Rio. Trabalhei na ONG nos idos de 2003, em um projeto de rádio, e cheguei a fazer show de abertura para uma apresentação do Lenine em um palco montado sobre a piscina. Foi muito bom ver a casa toda reformada e sendo usada novamente para um bom propósito. Além do bistrô, o local recebe eventos particulares – por enquanto suspensos em função da pandemia.
O Bistrô da Casa é dog friendly, o que ajudou a entreter um pouco minha pequena Leandra, de 1 aninho. O horário em que chegamos, por volta das 16h, foi ótimo pela temperatura mais amena (embora o ambiente seja bem ventilado) e por coincidir com a chegada do DJ, tocando só música brasileira de qualidade (couvert artístico R$ 20 p/ pessoa). Para abrir os trabalhos, experimentamos drinks autorais da casa. O meu foi o Moça Bonita, de gin Amázzoni com xarope de maracujá e gengibre, pimenta rosa, limão siciliano e água tônica prata (R$ 31). Muito saboroso, a pimenta rosa dá um toque afrodisíaco.
De entrada optamos por dividir uma salada de quinoa com abacate, tomate do vale formoso e camarões grelhados (R$ 35,90). Azeitona preta e limão completam o tempero do prato – sensacional! Perguntei para o garçom qual era o maior destaque do cardápio. Infelizmente, a frigideira de polvo já havia acabado. Minha esposa optou pelo peixe do dia com purê de palmito pupunha, chips de banana da terra, bottarga (ova de tainha) e algas (R$ 72). Eu apostei em um prato vegano, área que me causa curiosidade ultimamente.
O nhoque frito de raízes é acompanhado de cogumelos e leite de castanha do Pará (R$ 53). Os chips de raízes fazem um contraste interessante com a textura do nhoque. O prato é bem servido, embora à primeira vista a impressão seja outra, e o caldinho no fundo é extremamente saboroso. Uma questão que vale a pena levantar é a quantidade de sal. Tenho percebido em alguns restaurantes que o sal é usado como subterfúgio para alcançar um sabor acentuado. Penso que os chefs mais talentosos são aqueles capazes de conferir sabor ao prato sem exagerar no sódio, que inclusive é prejudicial em excesso.
Então, consumir um prato vegano mais puxado no sal talvez não seja tão vantajoso para a saúde. O peixe branco que provei da minha esposa também tinha uma boa quantidade, embora bastante gostoso. Já as sobremesas não nos conquistaram tanto: um “crepe suflê aberto de chocolate” (R$ 25) e o tal “bistrô lemon curd com crumble de biscoito maria” (R$ 25). Nota sete e meio para o crepe, que poderia ter mais uma bola de sorvete para ficar proporcional ao volume de massa e chocolate.
A famosa feira da Glória é uma atração à parte do bairro, aos domingos.
DICA CARIOCA
Esta semana trago uma dica cultural diferente. A palavra “flanar” apareceu ali no início da coluna, e este conceito me foi apresentado ainda nos tempos de faculdade, em leitura indicada pelo grande professor Sergio Mota. Desde então, me reconheci enquanto flâneur, apaixonado pelas ruas, pela vida pulsante e a interação das pessoas com a polis. “A alma encantadora das ruas”, de João do Rio, é um daqueles livros que marcam a gente. A poesia em seu olhar, seu amor por aquilo que normalmente está oculto à visão, o clima idílico do Rio no início do século XX – com menções a muitas das ruas que hoje testemunham novos tempos.
“Para compreender a psicologia da rua não basta gozar-lhe as delícias como se goza o calor do sol e o lirismo do luar. É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser aquele que chamamos flâneur e praticar o mais interessante dos esportes – a arte de flanar. è fatigante o exercício?”
Claro que não! O livro está disponível gratuitamente para leitura e download no Google, basta acessar este LINK.
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