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A dificuldade de conversar sobre a morte

MorteOlá, leitores, hoje decidi falar mais uma vez de um assunto que em tempos de pandemia é forçoso tocá-lo, que é a morte e a finitude, especialmente, neste mês de janeiro que foi dedicado à saúde mental, por conta do chamado Janeiro Branco.

Escrever sobre a morte é algo muito difícil, pois apesar de nossa consciência saber que a morte é o fim de uma vida, por outro lado, nosso inconsciente não consegue lidar com a questão da finitude por não reconhecer a morte como algo que de fato existe.

Em outras palavras, podemos perceber a morte enquanto pessoas racionais, mas nosso inconsciente não consegue entender este fato que é da ordem somente do real, não conseguimos fazer a simbologia, nem tão pouco imaginar o que seria morrer.

Pode-se perceber isso por alguns exemplos que ocorrem em nossas vidas. Vejamos o sonho: Em nossos sonhos jamais morremos! Se você prestar atenção aos seus sonhos, quando sonhou com a própria morte, uma das três situações aconteceu: a) quando você iria morrer no sonho, você acordou; b) aquela situação que fatalmente lhe mataria, de repente, algo absurdo acontece e você escapa da morte; c) finalmente, mas não menos importante, a pessoa vê seu corpo morto em alguma situação, mas essa mesma pessoa, tem consciência, no sonho que morreu, mas se olharmos de perto, o simples fato de ter consciência significa que efetivamente, em seu psiquismo, a morte não ocorreu. Ainda que a pessoa sinta que está em espírito, vendo seu próprio corpo, existe uma preservação do Eu.

Como lidar, então com a questão da própria finitude? Que desafio hercúleo, pois diante da morte em si, a carruagem das palavras, como diria o pensamento budista, cessam. Ou seja, apesar de sermos atravessado pelas palavras, diante do ocaso da vida, essas mesmas palavras se ausentam e fica um suposto vazio.

Lidar com a própria finitude é lidar com o que não conseguimos escrever, falar ou mesmo racionalizar. Assim, me parece que temos que retornar a uma frase de Lacan: “A verdade somente pode ser dita nas malhas da ficção”. Diante disso, precisamos achar um caminho de construir uma teia que consiga dar sentido a este evento que é apenas e tão somente da ordem do real.

É exatamente por esse motivo que a morte é tão difícil de ser lidada. Lidar com a própria finitude angustia, pois ela se constitui como sendo algo que nasce do instante no qual a pessoa se encontra suspensa entre um tempo em que ela se perde do local onde se encontra e para onde precisa ir, sendo que a resposta sobre o que venha ser o próprio fim jamais é encontrada.

A angústia, que é esse medo inominado de algo para além do nosso conhecimento traz a reboque outro sentimento: A ansiedade que se caracteriza como sendo uma relação de dois lados a ponto de desaparecer para ser substituída por outra coisa, algo que a pessoa não pode enfrentar sem vertigem. Neste sentido, como substituir a morte? Não há modo. Tanto que as religiões falam em vida após a morte, como uma continuação da própria existência, retomando novamente a percepção que não conseguimos lidar com a nossa finitude.

Confúcio traz uma nova reflexão, que para nós ocidentais, é meio confusa, mas quando paramos para entender a sua profundidade, conseguimos ver a real dimensão de sua fala. Segundo ele: Para quê preocuparmo-nos com a morte? A vida tem tantos problemas que temos de resolver primeiro. Na verdade, ele simplesmente prega que ignoremos a morte e que foquemos nossa vida a caminhar nosso caminho, sem se preocupar com o dia do fim. No popular, o que ele quis dizer é: viva como se fosse seu último dia na Terra, pois um dia você acerta.

Quem acompanha minhas colunas já notou que gosto muito de voltar aos gregos, mesmo porque penso que neles estão a maioria das questões da atualidade, pois se de um lado temos a percepção do fim, Epicuro nos dá outra solução e que eu concordo: A morte em si é um nada, pois se estamos vivos ela não existe e se estamos mortos ela não importa mais.

Diante disso tudo, penso que a pandemia nos colocou face a face com algo muito mais profundo do que os riscos enfrentados pelas pessoas. Ela na verdade nos fez olhar para nossa existência e perceber que não somos tão senhores assim da natureza, desta forma, o risco da finitude aportou em nossas moradas.

Shakespeare dizia que quando lutamos e perecemos nossa morte é uma forma de derrotar a própria morte, ao passo que temer o próprio fim é fazer uma homenagem vitalícia para o inexorável através de um corpo que somente se presta a servi-la. Em outras palavras, temer a morte é festejar a sua existência por usar o próprio corpo como cativeiro da vida.

O mais curioso disso tudo é que Schopenhauer nos dá a derradeira lição sobre vida e morte, quando sintetiza em uma frase tudo que estamos querendo dizer neste texto: Quem não tem medo da vida também não tem medo da morte. Então, levantemos e caminhemos, pois na morte, no nosso fim, não há nada para temer.

O grande problema é a morte daquele que amamos, mas deixo isso para uma outra oportunidade.

Leia mais textos do Robson Paiva na coluna Bastidores de Você aqui!

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